No dia 30 de maio que passou fez dois anos da morte de Arievaldo Viana. É oportuno, portanto, relembrarmos aqui a memória de um grande ser humano e um exímio artista. Somos, eu e ele, do mesmo mês e ano. Diferença de dias. Virginianos. Ambos nascidos e criados no mesmo meio rural. Seu pai agricultor. Meu pai também. Sua mãe doméstica e costureira. Minha mãe também. Estudamos ambos em escolas modestas do interior. Aprendemos a ler em folhetos de cordel. Já na cidade de Canindé, na adolescência, fomos alunos secundaristas do mesmo educandário. E nos conhecemos. E travamos uma amizade fraterna daí em diante. Parcerias literárias que persistiram por muito tempo, em folhetos de cordel, em jornais, revistas, livros, boemias, reuniões alegres, confraternizações diversas.
Tenho perdido muitos amigos na esteira do tempo, vários deles mais velhos que eu, pois sempre tive amigos mais velhos. Todos me deixaram muita saudade. Há dois anos, no entanto, provei o fel de perder um amigo irmão, de minha época, de minha idade, do meu querer e de tantas afinidades nesta vida.
É duro escrever qualquer coisa sobre o assunto. Até para mim, que escrevo por diletantismo e costumeiramente. Pois aida me custa acreditar que meu amigo Arievaldo Vianna Lima, no vigor dos seus 52 anos bem vividos, produtivos, alegres e cheios de sucesso e de tanta expectativa, se tenha ido de forma tão precoce. Em Arievaldo, a vida era como uma usina hidrelétrica, ininterruptamente a correr energia nas veias, um dínamo de criação e trabalho.
Mantivemos longa parceria. Desde nossa juventude, trabalhamos sempre em afinidade. Em Canindé, trabalhamos juntos em assessorias de comunicação de várias administrações públicas. Viemos da máquina de escrever para a era da informática.
Talento múltiplo, além de cordelista de nascença, da Academia Brasileira de Cordel, Ari era exímio diagramador, redator de mão cheia, pesquisador, desenhista, chargista, cartunista, radialista, xilógrafo, publicitário e escritor. Eletrizado, dinâmico sempre, sua mente era um forno ardente de inspiração e criatividade. Dotado de uma energia inesgotável, como atestam todos que, como eu, o conheceram de perto.
Do nosso trabalho a quatro mãos, ficaram registros nos jornais A Voz do Povo, com redação também de Silvio R. Santos; Gazeta do Sertão, União, De Mão em Mão, Folha Popular, O Carrapeta, e mais recentemente Folha do Povo. Além de revistas e dezenas de cordéis que produzimos, a maioria com temática de gracejos. Ari foi responsável pelo resgate da literatura popular, com seu projeto Cordel na Sala de Aula. Projeto que deu origem ao seu palpitante blog Acorda Cordel.
Afora tudo isso, Ari foi também fecundo redator de programas humorísticos de rádio, como A cidade e a lei, de enorme audiência na época. Apresentamos juntos, nas manhãs de sábado do final da década de 1990, o programa Luiz Gonzaga Convida, na hoje extinta Rádio AM São Francisco de Canindé.
De nossas jornadas boêmias e felizes, ficou um legado imenso de versos de cordel, muitos escritos em guardanapos e depois passados a limpo. Cronista atento, Ari tinha o olhar mágico e penetrante do verdadeiro artista. Nada passava despercebido de sua vista aguçada.
No fervor de sua inspiração, publicou os livros O Baú da Gaiatice, em duas edições, São Francisco na Literatura de Cordel, a biografia de Leandro Gomes de Barros e Sertão em Desencanto, livro de memórias. Em sua vasta bibliografia, consta também um livro didático sobre cordel, indispensável para iniciantes nessa arte.
É esse, num resumo simplista, o grande talento e amigo que perdemos há pouco tempo. E nem falei aqui no caráter honrado e probo nem na personalidade pacifista do Arievaldo. Basta dizer que jamais o vi humilhar nem reprimir ninguém. Ari partiu na profundidade de um tempo escuro, em plena pandemia. Lamento muito que você tenha ido naquele horrível momento, meu amigo irmão, quando nem podemos dar um abraço de dor nos seus entes queridos. Já que tinha de acontecer, você merecia, pelo menos, partir num instante melhor: digamos, no meio de uma grande festa de sanfona, de uma famosa cantoria dos mestres Geraldo Amancio e Zé Viola, ou mesmo em meio a uma de tantas alegres reuniões em algum recanto do Mercado Velho de Canindé…
Pedro Paulo Paulino