No dia oito de junho, fez quatro anos da morte do radialista Tonico Marreiro, cujo nome e bairrismo orgânico estão intrinsecamente ligados aos costumes e pessoas de Canindé. Assim sendo, relembremos uma crônica escrita em sua homenagem.
Era sempre aos domingo, que se ouvia no rádio essa saudação: “Alô, meus amigos, alô, minhas amigas, cumprimenta-lhes Tonico Marreiro!”. Saudação antológica, alegre e cordial. Ao som da melodia de “Pedacinhos do céu”, estava no ar mais um programa “Fim de semana com o Tonico”. Essa saudação transformou-se em silêncio. Tonico Marreiro já se chama saudade – palavra entranhada no seu coração que por longos anos drenou rios de sentimento bairrista. Depois de estar presente sete décadas e meia no palco da vida, Tonico deu adeus no derradeiro ato da existência. E Canindé ficou órfão de um patrono apaixonado por esse pedaço de chão.
São muitos os vácuos que se formaram com a ida desse conterrâneo vibrante. O rádio cearense, para começar, perdeu uma voz autêntica que por 40 anos a fio levou o entretenimento, a prosa divertida, a música de qualidade, a opinião sincera a milhares de ouvintes, nos vários prefixos em que trabalhou o comunicador brilhante.
A história, o folclore e as tradições de Canindé ficaram à deriva com a falta do seu contador de causos e anedotas, depositário de um repertório opulento de fatos e gracejos. A música popular dos bons tempos ficou sem o seu guardião e divulgador mais leal.
Perdeu-se um soldado aguerrido e sempre a postos no campo de batalha cultural da terra de São Francisco. A exemplo de um Atlas incansável, Tonico Marreiro carregou, não nos ombros mas no coração, o Canindé de sua paixão, de seu romantismo, de sua mocidade e recordações. E com isso, fez caso de combater, sempre, em favor da manutenção dos costumes e tradições de sua terra.
Sua despedida foi o epílogo de uma vida dedicada inteiramente a uma causa: a preservação das tradições locais. Seu combate, reconheça-se, nem sempre logrou êxito. Sua batalha, muita vez, foi em vão. O que o fez jamais desistir. Determinado e movido por um carinho insólito por Canindé, Tonico Marreiro arregaçou as mangas, ergueu o peito e dedicou-se às suas origens, por força de talento e coragem. E assim conseguiu legar para nossas letras três livros, dois dos quais dedicados – antes de tudo e com justa razão – à memória de seu pai, o poeta Raimundo Marreiro. Trabalho de gigante, numa terra nem sempre favorável a lutas desse porte.
E como se não bastasse ainda, nos derradeiros anos de vida, alcançou a realização de outro sonho: a criação de uma entidade que congregasse os artistas de Canindé. De bom alvitre surgiu a Academia Canindeense de Letras, Artes e Memória, a Aclame, da qual ele era presidente. Muito antes, entretanto, representou sua cidade no parlamento municipal, erguendo continuadamente a bandeira em defesa da cultura. Militou em prol da bandinha de música; bradou em favor da preservação dos costumes religiosos locais; defendeu a identificação de ruas e logradouros com nomes de vultos canindeenses; conservou com desvelo a divulgação de músicas de raiz; salvaguardou um acervo importante de gravações antigas; e sustentou por décadas a apresentação de seu programa radiofônico, no qual inseria a crônica “A voz amiga do Canindé”. Sem ele, agora, as tardes de domingo estão vazias.
Numa sexta-feira, oito de junho, um aglomerado de amigos, admiradores e familiares reuniu-se na capela vicentina para prestar despedida a Tonico Marreiro. A bandinha de música do maestro J. Ratinho fez-lhe homenagem merecida. Seus companheiros recordaram trechos alegres da convivência. O cortejo fúnebre desfilou pela rua principal de sua cidade, onde fica a Casa Marreiro, monumento das tradições locais. E seu corpo foi devolvido à terra em que seu coração pregou raízes firmes, como uma árvore antiga e resistente, em cuja copa amadureceram os frutos da experiência e da sabedoria, irrigada pela seiva da inspiração, da criatividade e da integridade moral. Naquela tarde tranquila e comovida, pareceu-me ver meu querido amigo no expresso do infinito, sorrindo e acenando da janela para a terra da sua infância, mocidade e amores, e mergulhando para sempre no seu pedacinho de céu de sonhos e utopias. Adeus, Tonico! Os que aqui permanecemos, até quando não se sabe, seguiremos fielmente sintonizados em você, através das ondas possantes e amigas da recordação e da saudade.
Pedro Paulo Paulino