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Sob a brisa mansa e acolhedora da Serra do Machado, no coração do Ceará, dorme um monstro! Por absurdo que isso possa parecer, ali, naquele recanto prenhe de natureza, habitado pelas aves e por camponeses simples, adornado pelas folhas e as flores das árvores nativas, dorme um monstro feroz; um monstro dorme no seio da terra fértil daquela região serrana. No aconchego bucólico e tranquilo da serra, o monstro hiberna ao longo de incontáveis eras. Ninguém dali o incomoda nem o chama, embora saibam seu nome e tenham receio até de pronunciá-lo. Ele atende pelo nome de Urânio.
Todavia, Urânio, o Monstro de Itataia, está prestes a acordar e botar para fora suas garras e vomitar seu veneno mortífero. É notícia corrente que homens poderosos vão abrir a furna do monstro e tirar proveito dele, mesmo em detrimento de todo o mal que isto possa acarretar à natureza e à vida humana. De acordo com as notícias, não demora para que Itataia, no município de Santa Quitéria, e já conhecida em todo o mundo como a maior reserva de urânio do Brasil, seja efetivamente explorada. O mapa da mina já se encontra completamente em poder de megaempresários, que não medem a falta de escrúpulo quando o foco é encher o bucho insaciável do Capital.
Antes que a exploração da perigosa jazida tenha começo, leia-se o trecho de um relatório técnico: “A mina de Itataia, em Santa Quitéria, no Ceará, antes mesmo de ser explorada, já ameaça 40 comunidades camponesas que vivem no entorno dela e correm o risco de sofrer impactos irreparáveis na saúde humana, na produção de alimentos, na diminuição e contaminação da água, enfim, no direito de ir e vir”.
O alerta, contudo, entra por um ouvido e sai pelo outro, na cabeça dos interessados na execução do projeto, que envolve iniciativa privada e governantes. A esta altura, o leitor já deve estar se indagando: e os órgãos públicos de controle ambiental, nada fazem? Bom. Tais órgãos são controlados pelo governo; e o governo é um dos maiores interessados no negócio, por meio de uma empresa estatal apelidada de Indústrias Nucelares do Brasil, que já carrega nas costas uma lista negra de crimes socioambientais a ela atribuídos.
Com palavras mágicas, como oferta de empregos diretos, desenvolvimento econômico da região, blablablá, os interessados na mina vão embelezando as futuras vítimas da contaminação direta do solo, do ar e das águas; da radiação que causa câncer; da contaminação das águas das cisternas, já que o vento leva a poeira do urânio para o telhado das casas. Sem falar no remanejamento de moradores do local e da desestruturação social subsequente.
Os exploradores de Itataia, ao que parece, não estão nem aí para as consequências funestas, mesmo porque eles não serão atingidos. Nem movimentos sociais contra, nem entidades, nem povo, nada vai impedi-los em sua sanha hedionda. Nada os faz ouvir que: “a instalação dessa atividade interfere negativamente na agricultura, na segurança e na soberania alimentar das populações. A nocividade da extração e do transporte de urânio, para a saúde, implica em efeito cumulativo no organismo, paulatinamente depositado nos ossos. A exposição à radiação pode provocar o desenvolvimento de câncer de pulmão, predominante entre trabalhadores das minas”. Parece também não levarem em conta a grande quantidade de água necessária para a exploração da mina, numa região do semiárido sofrido sempre com a escassez hídrica!
Para desconto maior dos pecados, a mina de Itataia é “rica” em dois produtos tóxicos conjugados: fosfato e urânio. O primeiro, usado como veneno no abominável agronegócio. O segundo, matéria-prima de armas nucleares e de reatores de energia nuclear. Usina nuclear atômica, num país tropical, onde o sol e o vento aí estão, como fonte inesgotável de energia limpa!…
Os sertões de Canindé, Itatira, Santa Quitéria e adjacências terão, pois, inevitavelmente, de conviver em breve com um perigo que vem das entranhas de um elemento químico nocivo, tendo como agente a mão brutal do homem. Os riscos e as consequências das minas de urânio e sua utilização como fonte de energia já são bem notórias. Chernobyl, Fukushima, o vazamento de toneladas de urânio em Caetité, na Bahia, e também o Césio-37 de Goiânia parecem não nos servir de exemplo. Nem de aviso aos que pretendem – e vão! – conseguir despertar o monstro adormecido de Itataia.
Pedro Paulo Paulino