Não há quem, diante do noticiário desta semana, por certo não se tenha comovido com o drama de Joca, o cachorro que perdeu a vida de forma cruel, por um erro da companhia aérea. Por ocasião da mudança de endereço do dono, Joca foi embarcado em um avião, com destino ao estado de Mato Grosso. Em vez disso, Joca foi parar em Fortaleza, e daí embarcado de volta a São Paulo. O trajeto do animal, que seria de duas horas e meia, durou pelo menos oito horas. Nessa confusão toda, Joca acabou morrendo, agonizando dentro do espaço reduzido de um equipamento de transporte de animais. A notícia da morte de Joca causou impacto nacional, inclusive, no presidente da república, que manifestou seu repúdio em relação ao descaso da companhia aérea.
O acontecido virou manchete nos principais portais de notícia. Até mesmo o enterro de Joca ganhou cobertura da mídia. O animal da raça inglesa golden retriever, não resta dúvida, pertencia a família bem remediada e criado com o máximo de carinho. O profundo pesar do seu dono, exposto na imprensa, comprova o afeto pelo pet, para usar a linguagem atual.
Assistindo a tudo isso, ponho-me a imaginar no sofrimento de incontáveis animais tipicamente domésticos, cães e gatos, que, ao contrário de Joca, sequer têm um dono. Nas ruas, mesmo das menores cidades, veem-se, diariamente, esses pobres seres no mais absoluto abandono, reproduzindo-se por ordem natural, e gerando mais descendentes destinados ao desprezo pleno, à fome, à sede, à falta de abrigo e de carinho.
Gatos e cães foram domesticados ao longo das eras, e, nessa condição, necessitam estritamente de amparo, de um dono que deles cuide e por eles tenha o devido respeito e a devida atenção. Joca era um felizardo, até o momento fatal da mudança de endereço de seu dono. Porque foi, nessa circunstância funesta, um desvalido, esquecido no espaço exíguo de um transporte de pets, até não suportar a fome, a sede e a fadiga.
A desatenção deve representar, notadamente nesta plena era digital, um dos piores agravantes do comportamento humano. No alvoroço do dia a dia, fulminada pela avalanche de ferramentas virtuais, ao alcance da palma da mão, a multidão de pessoas, em todos os recantos do planeta, parece não notar absolutamente nada ao seu redor. O mergulho cego na virtualidade pode, entretanto, acarretar amargos transtornos em relação à vida em sua majestosa realidade. Casos parecidos com o de Joca têm-se visto também envolvendo seres humanos. Quem de nós, por exemplo, não tem conhecimento de notícias de crianças que já morreram asfixiadas dentro de um carro fechado, por mero e trágico descuido dos pais? “Menina de 4 anos morre após ser esquecida dentro de carro na Bahia”, estampa um destacado portal de notícias, em data recente.
Se até humanos passam por uma fatalidade dessa, imagino vocês, pobres cães e gatos infelizes. Vocês bem que deviam jamais ter saído da ancestralidade de suas espécies, para se juntar ao bicho humano. Por certo, não calcularam o risco de vida que estavam correndo. E agora é tarde. Vocês não terão, jamais, a mínima chance de voltar ao reino de vocês. Há poucos, na face da terra, a exemplo de João Fantozzini, o dono de Joca, que reconheçam e sintam o verdadeiro afeto que vocês merecem. E é em face disto que, como forma de consolação, quero dedicar-lhes, a todos vocês, com a tônica de uma oração, essa mensagem comovida dele, o dono de Joca:
“Você é o amor da minha vida e tiraram você de mim! Lembra quando eu te dizia que jamais sairia do seu lado? Me perdoa, pois eu não pude estar com você naquela hora! Saiba, meu ‘dorado’, que você vai viver dentro de mim para sempre! Ainda vou comprar suas maçãs e rúculas, porque eu sei o quanto você amava. Você virou o meu anjo! E saiba que eu vou lembrar de você todos os dias e lutar por você! Me perdoa por ter tido a ideia de te levar na minha mudança, pois você estaria aqui! Olha por mim, meu filho, ‘MEU DOLADO’. O pai te ama para sempre”.
2 Comentários
A princípio, fiquei em parte duvidoso e, de outra parte, inconformado que PEDRO PAULO PAULINO, senhor de admirável e aguçado senso crítico, tivesse entrado na onda midiática e sensacionalista sobre a morte de um cachorro. Talvez haja quem me reclame por causa do artigo indefinido, em vez de “o” cachorro.
Ou mesmo Aquele cachorro.
Eu aguardava atendimento num laboratório. Então, tive que suportar Ana Maria Braga explorar a morte do tal cachorro e a voz chorosa de seu proprietário, cuja solidão chegava às raias da viuvez.
Felizmente, Pedro Paulo Paulino definiu e descreveu com a costumeira inteligência e perspicácia o que ocorre com milhares (ou milhões?) de cães e gatos; e, muito pior, com seres humanos.
Sou a Gabriella Barbosa Rocha, gostei muito do seu artigo
tem muito conteúdo de valor, parabéns nota 10.