Detive-me demoradamente observando-a a trabalhar. Como minha presença não a incomodou, continuei admirando a construção daquela obra que estava bem no comecinho. Havia, já, uma circunferência feita de barro, talvez de um centímetro e meio de diâmetro. E desenhar uma circunferência sem compasso ou outro acessório, convenhamos, significa, logo de início, uma tarefa e tanto.
Quando o material acabou, ela bateu as asinhas, e aonde foi buscar nova demanda de argila úmida, em pleno meio-dia de sol abrasador, só ela sabe. Minutos depois, voltou trazendo uma pequena porção de barro, presa entre as longas pernas, com as quais deu seguimento à sua construção, usando também como ferramenta a parte bucal, e aplicando caprichosamente cada porção de sua “argamassa”, fazendo crescer rápido as paredes da nova casa.
Não passou muito tempo, voltei para conferir o andamento da obra, que, para meu espanto, já estava pronta: uma pequena cúpula de barro, de acabamento impecável, convém dizer.
Os entomologistas, ou seja, aquelas criaturas que se ocupam da vida dos insetos, dão-lhe o nome de Sceliphron caementarium. Porém, nós leigos, fiquemos com a Vespa Ceramista ou Oleira, que ambas as coisas dão na mesma. Ou melhor ainda, “maria-pobre” ou simplesmente “leão”, nomes que lhe damos desde nossa infância, no meio rural, onde esses viventes também são inquilinos, quem sabe para se isentar do IPTU.
Porém aqui, o que vem ao caso mesmo é a competência, engenhosidade e dedicação de um simples inseto, na construção do local onde ela vai depositar, após um breve namoro com o marido, o ovo, que vai gerar uma larva, que vai ser uma vespa adulta.
E é exatamente na conclusão da sua obra primorosa, que vem o momento mais mágico. Para alimentar a larva que vai nascer, a impressionante Vespa Ceramista deixa ao lado do ovo uma provisão de alimento, via de regra uma lagartinha, para manter a larva, até que se torne adulta. Depois de tudo, lacra a casa, cujas paredes só serão rompidas pela nova vespa que ali se desenvolveu.
E não importa o recanto para fazer a nova casa: paredes, janelas, qualquer coisa vulnerável, qualquer objeto, inclusive livros, caso haja-os no recinto. Neste caso, não nego que, particularmente, fiquei frustrado ao ver uma casa de Vespa Ceramista construída na lombada do meu exemplar de estimação de D. Quixote. Pior que isso: conseguiram elas penetrar no móvel de um antigo rádio de pilha, da maior estimação e de caráter unicamente decorativo, e lá dentro construíram, não só uma casa, mas uma vila inteira. Como os imóveis já estavam, talvez havia tempo desabitados, cuidei, simplesmente, de limpar os estragos, sem rancor algum. Porque, em suma, a admirável Vespa Ceramista merece o meu, em qualquer circunstância, absoluto respeito.
2 Comentários
A mãe natureza é perfeita. Após anos e anos de agressões por parte do ser humano, ele que mais usufrui dela, a se debelar, causando verdadeiras mudanças no clima, nos desastres das enchentes, tsunamis, tempestades, esquentando da temperatura global como se a dizer, basta de tantas agressões.
Exatamente, Dr. Pedro. A natureza responde à altura dos estragos causados nela.