© Pedro Paulo Paulino |
Fica no cruzamento da rua Gervásio Martins com a Praça da Basílica, no coração da cidade de Canindé. No prédio de paredes amarelas e letreiro desbotado funciona uma antiga farmácia, conhecida pelo prosaico nome de Farmácia dos Pobres. Bem conhecida, diga-se melhor, de gerações pretéritas, habitantes da cidade e das povoações rurais. Não sei precisar o tempo de sua existência, mas poderia garantir que deve contar muito mais de meio século. E embora resistindo às mãos do tempo e desafiando os impulsos da modernidade, ali ela continua com suas portas abertas, abrigadas sob uma larga marquise.
Adentrar o recinto é sentir o impacto de outras eras, notadamente nas instalações de móveis singelos, mas bem trabalhados, como o balcão com um dos cantos em forma de “S” e com seus mostruário de vidro. Juntamente com o balcão comprido, os armários, igualmente de madeira escura e envidraçados, compõem as instalações internas do estabelecimento. Por trás das vidraças, avistam-se alguns frascos e caixas de medicamentos. Acima, na parede, uma fotografia desbotada numa moldura em bordas largas de madeira. Destoando do cenário, apenas, sobre a mesa um computador, com seus acessórios periféricos, que por sua vez já é também um objeto obsoleto.
Ali dentro, respira-se em tudo os ares do passado. É uma espécie de museu vivo das drogarias de outrora, tão diversas que eram dos estabelecimentos de farmácia de hoje em dia, quase todos com um sortimento eclético de produtos expostos, afora os medicamentos propriamente ditos. Na velha farmácia, tão notória na cidade, parece-nos ainda sentir o aroma de medicamentos muitos dos quais já fora de uso. Sob as vidraças do balcão e nos nichos das prateleiras, certamente, foram muita vez expostos frascos de xaropes e elixires que eram as vedetes dos reclames de jornal e propagandas de rádio.
Por trás daquelas vidraças, por certo, estiveram expostos frascos do Regulador Xavier, da Emulsão de Scott, do Óleo de Rícino, do Biotônico Fontoura, surgido em 1910, dentre outros fármacos de marca antológica. No balcão da Farmácia dos Pobres, minha mãe, por exemplo, deve ter, por mais de uma vez, comprado Ambra-Sinto e 1 Minuto, na minha infância. O primeiro, contra febre; o segundo, contra dor de dente. Sem deixar de fora o velho Merthiolate, quando este era vermelho e ardia. Hoje é branco e não arde mais.
A Farmácia dos Pobres tem, portanto, muita coisa para contar, de um tempo nem tão longe nem tão perto. Histórias que hoje podiam ser relembradas vivamente pela voz de sua proprietária, D. Eliete Karam, já nonagenária e vencida pela idade. Cercada pela imponência de prédios novos em seu entorno, na Farmácia dos Pobres a imponência que se sobressai é a do tempo. Quieta diante do frenesi lá fora, com o charme e sua simpatia de antiguidade, sua elegância interior e bom gosto, e em seu silêncio, a Farmácia dos Pobres, sem dúvida, fala-nos por si mesma, em especial de sua adorável simplicidade, a começar pelo próprio nome.
Pedro Paulo Paulino