Relembro, quando menino, de minha avó paterna, no anoitecer de 12 de dezembro, arrumar seis pedrinhas de sal sobre uma tábua e colocá-la sobre o beiral da casa. Assim que amanhecia, ela conferia, ansiosa, o resultado da “experiência”, que na crença sertaneja, aponta positiva ou não para o inverno vindouro no nosso semiárido cearense. Quando minha avó morreu, meu pai deu continuidade à tradição, que hoje em dia eu mantenho. Ontem mesmo realizei essa “experiência” e logo mais conto o resultado.
Porque antes, quero crer que, de todas as simpatias, experimentos, crenças e tradições sertanejas relacionadas à previsão de chuvas, a famosa “experiência das pedras de sal” deve ser a mais curiosa, popular e antiga do nosso camponês nordestino. Dela se ocupou a literatura, a música e pesquisadores renomados. “Esta experiência é linda”, escreve Euclides da Cunha n’Os Sertões, depois de uma exposição detalhada. Euclides deve ter tomado conhecimento in loco dessa prática, quando peregrinou o sertão baiano, à época da guerra de Canudos.
A famosa “experiência” chamou a atenção também de Silvio Romero, Veríssimo de Melo, Eloy de Souza, Phelippe e Theophilo Guerra, Walfredo Rodrigues, Gonçalves Fernandes, Getúlio César e o cearense Guilherme Studart. As pedrinhas de sal de Santa Luzia têm, portanto, seu charme e sua importância perante homens de letras.
Ela reúne em si elementos no mínimo admiráveis. A começar pela data, 12 de dezembro, véspera do dia de Santa Luzia, a virgem mártir siciliana, Portadora da Luz, decapitada e santificada lá pelos idos do século quatro. Santa Luzia, neste caso, pertence ao rol dos santos europeus com influência forte sobre as chuvas no nosso sertão.
Outro aspecto curioso é o uso do sal na realização da experiência. Por que não outra substância? E, o mais impressionante de tudo: das seis porções alinhadas e representando os meses de janeiro a junho, período do inverno cearense, nem todas ficam umedecidas. As que se apresentam molhadas acenam para chuvas no respectivo mês. Um amigo octogenário disse-me que, na experiência feita por ele em 12 de dezembro de 1973, ano de muita seca no Ceará, as pedrinhas de sal umedeceram a ponto de se alagar unidas. E o ano seguinte entrou para história dos aguaceiros cearenses…
Eu gostaria unicamente de entender como os antigos tiveram sensibilidade para a realização de tão exótica sondagem do tempo por meio tão artesanal e empírico. Tal fato, por certo, deve-se à extraordinária capacidade do nosso sertanejo em buscar suas próprias soluções para seu eterno desafio com o clima, inventando seus próprios meios de sondagens e previsões.
Sertanejo e filho de agricultor, com raízes fincadas neste solo rico de tradições e cultura seculares, por tudo isto e muito mais mantenho a tradição de tão notável “experiência” matuta. Esta manhã, quando acordei corri para ver o que dizem as pedrinhas de sal para o inverno de 2025 no Ceará. E o resultado é frustrante: amanheceram todas completamente enxutas!
A Crônica da Semana, que escrevo às sextas-feiras, coincide hoje com o dia de Santa Luzia e também do nascimento de Luiz Gonzaga, sua Majestade o Rei do Baião, embaixador do Nordeste e porta-voz de nós sertanejos, que também retratou em sua obra a adorável experiência das pedrinhas de sal.
2 Comentários
Poeta amigo, como nordestino, cearense e com muito orgulho canindeense de 5⁰ geração, suas observações das pedrinhas de sal de Santa Luzia, deixaram-me por deveras tristonho; mas ainda temos o nosso pai adotivo, São José e o nosso chará São Pedro para nos socorrerem. Aguardemos pois o nosso rei do universo, para sabermos como será nossa quadra chuvosa.
Concordo, Dr. Pedro. Aguardemos as ações dos nossos protetores em relação ao inverno.