© Pedro Paulo Paulino |
Uma figura emblemática que perambulou por muito tempo nas ruas de Canindé e que parece não ter ficado nem mais velho nem mais moço foi o Sebastião Raposa. Como Fênix, ele parecia renascer de dentro de seus trapos sujos, com semblante emoldurado pela barba longa e maltratada e pelos cabelos longos e mais maltratados ainda, nos quais não adentraria um rastelo. Era mesmo difícil calcular-lhe a idade, mas aparentava levar uma vida plena de satisfação no seu mundo íntimo e transfigurado, fingido ou verdadeiramente avesso a tudo a seu redor. O bigode e a barba mal disfarçavam um sorriso breve e sarcástico, por trás do qual apareciam intervalados os dentes também sujos. Que trauma incisivo ou glória obtusa estaria por trás da sua barba longa, verdadeiramente nunca se soube. Alguém de nós, certa vez, resolveu dar-lhe um nome mais pomposo, sem, mesmo assim, prejuízo de identidade. E passamos a chamá-lo de Sebastian Fox.
O que se sabe é que ele surgia de súbito, barafustando entre os transeuntes. Era comum vê-lo nos mais diversos recantos da cidade. O mais das vezes, era notória sua presença nas galerias do mercado público central, por onde passava camuflado, enviesando pelas vendas sórdidas, escapulindo em meio ao vaivém, levando sempre na mão sua sacola velha, como um legítimo dândi pelo avesso. Nessa sacola, ele ajuntava o que encontra de despojo pela calçada. Em suas investidas burlescas pelas ruas era alvo da graça do populacho que tanto o achincalhava quanto parece adorá-lo, numa relação quase equitativa.
Sua imagem estereotipada levava-nos a imaginá-lo um conselheirista longe de seu tempo. Melhor ainda era comparar seu tipo físico com o do próprio revolucionário de Canudos, dado o conjunto como um todo. Não era dado a bebida, sem dispensar, todavia, um gole de cerveja quando porventura lhe era oferecido. Também não era de incomodar. O que não se envergonhava mesmo de pedir era o cigarro, e se o entregavam, saía-se grato rindo e soltando baforadas, como um fantasma formidável.
Vendo-o assim, era de se questionar que personalidade tão indecifrável vagava naquele corpo andrajoso, mas orgulhoso e tão seguro de si, que vez ou outra não media consequências em se indispor com quer que fosse. Pois Sebastian Fox via-se digno de ser o que ele era. Quando – o que não era tão raro – encontrava outro da sua condição pela rua, demonstrava qualquer coisa de repugnância. Sebastian Fox carregava em seu âmago algo de nobre. Havia em sua miséria, coerência; era um maltrapilho decente. Como um Carlitos, surgia do nada e para o nada se ia, na cidade onde vivia sem margem de débito… E há até quem diga que o Fox é um exímio jogador de dama.
Pedro Paulo Paulino