Pedro Paulo Paulino |
Há determinadas existências humanas, neste mundo, que mais parecem um brinquedinho da vida. Perambulou na cidade de Canindé, até poucos anos, um desses exemplares da espécie humana, sem dono e sem dono de nada e sem vida aparente. Cruzava as ruas, dobrava as esquinas, parava nas calçadas, e sorria. Quase sem palavras, como uma múmia ambulante. Sem identificação, sem mais nada. Existia, apenas.
Costumava catar guimbas de cigarros atiradas na rua. Coletava latas e outros bagulhos destinados ao lixo. Suas perninhas cambotas e finas o conduziam diariamente aos mais diversos recantos da cidade. Nada pedia. Nada exigia. Existia, apenas.
Viveu como vivem os bichos em geral. Roupinhas surradas, num corpinho malformado, como se não tivesse tido um acabamento completo ao nascer. Mas nasceu. E se tornou homem, pelo menos num sentido geral da palavra, como tal se concebe. Nunca se lhe soube o nome verdadeiro, se é que algum nome verdadeiramente teve. Deram-lhe alguns o apelido de Negativo. Outros, por mera inveciva, a alcunha de Jóquei. Não tinha amigos nem inimigos. Existia, apenas.
Coletar bitucas era sua tarefa mais cotidiana. Um sorriso miúdo, em lábios murchos, indefinível entre algum desespero ou alguma satisfação. E assim perambulava o dia inteiro pelos becos da cidade. Talvez até sorrisse dos que falsamente sorriem. Não se sabe onde dormia nem comia. Se tinha parente ou aderente. Mas surgia, de súbito, caminhando muita vez apressado, como quem vai a negócios. A ninguém causava incômodo, nem mesmo ao trânsito sempre nervoso. Existia, apenas.
Se pensava em alguma cousa, jamais o revelou. Se acreditava, também jamais o disse, até porque quase não falava. Era uma existência paralela ao mundo de tantos quantos nós, freneticamente atrelados a este mundo. Mas era um ser humano. Absoluto em seu mundo particular. Talvez fosse até feliz, quem sabe. Talvez não, ninguém sabe. O certo é que passou por este mundo, como também todos nós passamos, julgando-nos melhor, talvez equivocadamente mais do que ele, que existia, apenas.
Pedro Paulo Paulino