SERTÃO EM TEMPO DE MANGA
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Foto: Pedro Paulo Paulino |
As espécies mais comuns são a manga maracá, a manguita e a jordão. Há, todavia, entre todas a coité, que pode ser classificada como a rainha das mangas. É um fruto nobre por excelência e tipicamente cearense. Como tal, é resistente, robusta e preciosa. De formato quase esférico, há delas que atinge perto dos mil gramas, sem risco de exagero. Sob a casca lisa e fina, esconde-se a polpa carnuda e deliciosa, suculenta e macia, envolvendo o caroço compacto que é a semente de um novo pé de manga.
Apreciando a manga coité com os olhos e com o paladar; sentindo o cheiro do seu néctar e a sua macieza, é de se ficar por algum tempo absorto, meditando no milagre da natureza, que do solo adusto e tostado pela soalheira constante faz brotar essa verdadeira ambrosia da caatinga, onde não habitam outros deuses senão o sol e o vento. E tudo isto pela força e vitalidade da própria terra, sem qualquer manejo nem artifício humanos! Produção em larga escala, enquanto dura a sazonalidade, que por alguns dias faz a festa da vizinhança. O dono do pé de manga, nesse período, é a celebridade da redondeza, o sujeito mais visitado e assediado; mas, como todo bom sertanejo, é sempre o homem generoso que sabe partilhar.
A mangueira frondosa é como um castelo formado de incontáveis folhas verdes, altaneiro e soberano, espetando os céus com seus galhos majestosos e dominando como um colosso a paisagem árida do sertão seco. São ilhas ou oásis vegetais, que dão alento aos olhos, descanso e alimento ao corpo. Porque tão atrativo quanto o sabor das mangas do sertão, é apreciá-las direto na fonte, debaixo da sombra farta e agasalhadora da mangueira, que é hospedagem certa de um sem-número de vidas. É no abrigo sombreado e calmo do pé de manga, que se ouvem o zumbido dos insetos e abelhas e o cochicho das aves, compartilhando todos do banquete gratuito da natureza. Nessa circunstância prazerosa, vale tudo: lambuzar-se de manga, limpar a boca com as costas da mão e, por conseguinte, limpar a mão na própria roupa. Deitar no solo forrado de folhas e cascas, ouvir a voz do silêncio ao redor e abandonar-se ao vento em pleno estado de graça.
Há, nas cercanias onde moro, um desses pequenos paraísos, singelos e pomposos a um só tempo, longe da poluição e da maledicência nossa de cada dia. Local apropriado para as fugas do espírito e relaxamento da carcaça física. E foi lá, a convite dum parente e vizinho de meia légua, onde estive regaladamente, apreciando o doce de suas mangas, descalço e pisando a terra fresca no leito do riacho que cruza a propriedade; enchendo os olhos e o coração da serenidade do local, numa viagem de volta e demorada aos ditosos tempos de minha meninice. Coisa que, como se diz por cá, não há dinheiro que pague.
Pedro Paulo Paulino