O mundo acompanhou ao vivo esta semana, pelos canais de mídias, as cenas do resgate de astronautas retidos há meses muito acima da Terra, a bordo da Estação Espacial Internacional. A permanência no espaço, prevista para sete dias, por algum motivo transformou-se numa gestação de nove meses a uma altura de 400 quilômetros, cujo parto aconteceu na noite recente de 18 de março. Depois de uma viagem de quase 17 horas, a cápsula de socorro, com seus ocupantes, pousou suavemente no mar da Flórida, onde um navio os esperava. Suni Williams e Butch Wilmore mostravam-se ótimos e sãos.
O regresso dos astronautas fez-me pensar na sensação de se permanecer uma longa temporada bem longe da superfície da Terra, observando este “pálido ponto azul” de uma perspectiva privilegiada, viajando a quase 28 mil quilômetros por hora e dando em média 16 voltas por dia em torno deste orbe, como se os homens do espaço fossem minúsculos satélites de carne e osso. Foram quase 300 dias afastados da fauna humana (quanta honra!), completando mais de quatro mil giros ao redor da Terra, no silêncio profundo do espaço onde reina a mais absoluta solidão cósmica.
Mesmo que a dupla de astronautas tenha, nesse período, segundo informam, realizado mais de uma centena de experimentos científicos, e confinada no recinto de uma geringonça de alta sofisticação, com tamanho aproximado de um campo de futebol, não seria incoerente dizer que ambos tiraram férias prolongadas do cotidiano deste mundo em que vivemos, para usufruir da vivência de uma rotina extraterrestre, mantendo-se longe das incontáveis imposições que nos fazem reféns aqui embaixo e, além disso, livres do bombardeio de notícias nefastas que atingem a todo momento nossos sentidos.
Rodopiando velozmente em torno da Terra, concentrados em seus afazeres espaciais, os astronautas foram quase deuses que lá do alto devem ter se regozijado, e muito, habitando uma ilha de paz celestial, a milhares e milhares de léguas distantes da violência que impera a todo momento em tudo quanto é lugar deste mundo, e quem sabe, tenham até zombado ou se apiedado dos bilhões de humanos pregados à crosta terrestre.
Estacionados numa região remota da atmosfera, a dupla de astronautas, livre do fardo da gravidade e flutuando como peixes, atravessou meses sem o contato de assuntos que tanto infernizam o mundo, tais como: desequilíbrio climático, desigualdade social, pobreza, corrupção, violência, poluição, Donald Trump, deportados com algemas, guerra da Ucrânia, desmatamento, injustiças, estupros, Big Brother, secas, alagamentos, pandemias e um sem-número de outras mazelas que, em pleno século vinte e um, estão em pleno curso atormentando a humanidade.
De tal modo que, por cá, fico eu imaginando qual não deve ter sido o espanto dos astronautas, depois de longos meses isolados nas alturas, e ao voltar à superfície da Terra tomarem conhecimento de que por aqui nada se renovou debaixo do sol. Por isso, não duvido de que, decepcionados com nossas tristes realidades de sempre, Williams e Wilmore já tenham se entreolhado demoradamente, para, em seguida, suplicantes, clamar: “Por favor, nos levem de volta para o adorável exílio das alturas”!