As imagens de uma onça-pintada encurralada pelas paredes de um muro, em importante cidade do Maranhão, circularam esta semana nos principais canais de mídia do país. O animal escapuliu de seu habitat e entrou acidentalmente na cidade, de onde, perdida e atônita, buscava sair. Uma força-tarefa envolveu-se na captura da fera, empregando diversos recursos de tecnologia.
Enquanto foi filmada por circuitos de câmeras, era possível notar a aflição do felídeo, isolado do seu mundo natural e completamente deslocado no território da selva humana, com seus tugúrios de pedra e cimento e toda a parafernália do mundo artificial.
O susto e o medo dos moradores, contudo, talvez não fossem maiores que o medo e o pavor da inocente onça-pintada, que por azar seu foi parar onde jamais devia. E o que a levou a essa fatalidade?
Por certo, pode-se afirmar, cheios de confiança, que a onça-pintada, de uma hora para outra, não deu na cabeça de fazer um rolezinho por aí, passear nas ruas, ver o burburinho do trânsito, contemplar os edifícios, circular pela praça, pelo shopping ou coisa semelhante.
Imperatriz, cidade onde se registrou o fato, é município que participa oficialmente da Amazônia Legal, habitat da onça-pintada e de imensa biodiversidade. De tal modo que o animal em questão não invadiu o habitat urbano do homem. Foi o homem que, com a geografia de suas cidades cada vez mais crescente, invadiu o habitat florestal da onça, e também invadiu serras, e praias, e tudo quanto é canto.
Nesse processo invasivo, a meu ver, parece imperar uma linha de raciocínio inverso à realidade. O mar, por exemplo, não invade as construções urbanas em sua orla: as construções invadem a orla marítima. Somos, por excelência, seres invasores, que já invadimos os mares dos peixes, os céus das aves, o paraíso de gelo dos polos, o deserto dos seus habitantes exóticos, e o habitat da onça-pintada, levando a todos esses e demais lugares, inclusive à Lua e Marte, a nossa poluição congênita e sem freio.
O medo, o susto e até mesmo o pavor provocados pela presença acidental de uma onça-pintada, vagando na cidade, por sua vez andam anos-luz distante do medo, do susto e do pavor provocados dia a dia e incessantemente pela violência urbana do bicho-homem, única fera no planeta que mata por encomenda. A onça, o leão e demais carnívoros matam por instinto selvagem de sobrevivência ou quando são atacados. Nesse vasto cenário, a fera mais perigosa, em suma e sem dúvida, temos sido sempre nós, que segundo a mais espalhafatosa explicação, fomos originados de uma mulher feita da costela de um homem, que foi feito de barro, cujo primogênito matou o irmão, por inveja e ciúmes, dois dos piores venenos morais que sempre acompanharam pari passu a humanidade. Pobre onça-pintada.