Havia cinco anos, o mundo inteiro estava mergulhado no abismo provocado pela pandemia do Coronavírus. Quando a notícia da peste espalhou-se por todos os recantos da terra, foi como se tivessem soado as sete trombetas do Apocalipse. Foi a primeira vez, no mundo moderno, que a humanidade viu-se confrontada com as ameaças terríveis causadas por ser microscópico de ação letal. Costumes, hábitos, rotinas, relacionamentos foram, de súbito, alterados drasticamente. A pandemia afetou de modo severo todos os setores da atividade humana. Passados agora cinco anos, e graças ao surgimento em tempo recorde da vacina de combate ao vírus, os seres humanos seguem sua epopeia sobre a face do planeta Terra. Relembrando o período negro da tragédia global, repriso crônica que escrevi em 26 de março de 2020.
A cidade amanhece e anoitece vazia. Os dias, de domingo a domingo, assumiram rosto de grande feriado como a Sexta-feira Santa. A paz e o silêncio, de mãos dadas (esses podem dar-se as mãos!) passeiam nas vielas, ruas e avenidas; sentam na praça, embora nada conversem, pois o silêncio e a paz entendem-se telepaticamente. O vento, a luz, as borboletas também se locomovem livres nos labirintos desses vários mundos a que chamamos cidades e que são ordinariamente território estrondoso da agitação, do vozerio e dos decibéis invasivos da parafernália humana.
Nesses dias incomuns e longos, quem por força das circunstâncias não deve transitar em plena liberdade são os verdadeiros donos desses habitats: os humanos, tolhidos repentinamente em seu vaivém eterno em busca do tudo e do nada num só tempo. Um inimigo que de tão pequeno e invisível nos manietou. E nos enjaulou em nossos tugúrios de pedra e nos fez reféns da espada diabólica de uma peste mundial, eufemisticamente chamada de pandemia.
A humanidade, em seu tumulto incessante, em sua atividade formidável, não contava decerto com a astúcia de um serzinho a princípio insignificante e sua invasão insidiosa nos domínios do fenômeno humano.
De repente, um verme inconcebivelmente mau agarra o mundo e o bota de ponta-cabeça. Um profeta apocalíptico que estaciona o sol do trabalho, do progresso e da dinâmica da vida dos homens. Um intruso que altera comportamentos, regras, etiquetas e dita novas ordens contrárias mesmo ao bom senso. Ser solidário agora, por incrível que possa parecer, é não estender a mão, é se afastar um do outro e se enclausurar dia e noite. Ser bonzinho agora é ficar distante do próximo, por contraditória que seja esta afirmação.
Em meio ao dilúvio pandêmico, convertemos nossos lares em arcas salvadoras, e dentro delas não sabemos ainda quando pisaremos terra firme, se em quarenta dias ou menos ou mais. Insulados, estamos testando nosso estoicismo, nossos princípios e crenças hipoteticamente inabaláveis.
No epicentro do pandemônio, adaptação tornou-se a palavra de ordem. E assim, usos e costumes e coisas vêm-se amoldando a esses dias tão incertos. Nos estádios esportivos transformados em salas de emergência, entra em campo o time operoso a serviço da saúde pública, numa partida nervosa contra o adversário sinistro. Nas arquibancadas, somente o tempo e a esperança assistem de camarote ao duelo dos exércitos da salvação contra o gladiador virulento, numa batalha singular.