Autor: Pedro Paulo Paulino

Atuante tanto na literatura de cordel quanto na poesia erudita, com diversas conquistas em prêmios literários de âmbito nacional. Além de seu trabalho como escritor, ele também é redator e diagramador de jornais, revistas e livros, atuando dentro e fora de Canindé. Como radialista, Pedro Paulo apresenta um programa aos domingos, focado em resgatar sucessos da Velha Guarda.

O meu primeiro brado pessoal de independência aconteceu durante o curso primário. Estudante procedente do meio rural, no ano de minha estreia em uma escola da cidade, deparei-me, no segundo semestre de aula, com uma experiência que para mim foi insólita e traumática: a participação obrigatória de um desfile estudantil no 7 de Setembro. Meu desconforto diante dessa nova situação começou com os treinos diários. Em detrimento disso, aulas eram sacrificadas, e, sob as ordens do orientador, saíamos em formação desfilando nas ruas, debaixo de um sol impiedoso. No primeiro ensaio, voltei para casa desapontado, e não escondi meu protesto.…

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Em tempos de campanha eleitoral, vale a pena, mais do que nunca, relembrar a saga do candidato Formiga. Para começo de conversa, o processo eleitoreiro nos cafundós do sertão tem características bem diferenciadas do que acontece nos nichos urbanos, em tempo de eleição. O voto do eleitor matuto ainda é disputado dentro de padrões meio anacrônicos, naquela base da dinâmica do compadrio, da camaradagem e da visita acalorada do candidato, que uma vez eleito, sacode o pó das alpercatas e passa quatro anos em profunda e silenciosa ausência. O anúncio da vinda de algum candidato ao grotão mais remoto enche…

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A vida do apresentador de televisão Silvio Santos foi toda um espetáculo. O pai nasceu na Grécia, a mãe na Turquia, e ele no Rio de Janeiro. Certa vez na infância, com sintomas de gripe, foi impedido pela mãe de ir ao cinema. Chateado, insistiu. A mãe disse não, e pronto. Durante a sessão, o cinema pegou fogo, deixando muitos feridos. Camelô de rua, ele já era um espetáculo, vendendo capas para título de eleitor, dizendo que cada unidade era a última do estoque. Em um concurso de rádio, tirou o primeiro lugar como locutor. Mas preferiu voltar ao comércio…

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Bronze, prata, ouro? Nem uma das três. No verdadeiro campo de disputa e batalha de milhões de brasileiros, não há troféus nem medalhas. As olimpíadas são diárias o ano todo. Mas não há pódio. Não há bronze, prata nem ouro. As modalidades são incontáveis, num ritmo de competição quase selvagem. São atletas incansáveis nos estádios e pistas do embate sem trégua pela subsistência. Do catador de lixo ao gari, da faxineira ao caminhoneiro, o jogo da vida é uma constante matemática obrigatória, independente de inverno e verão, outono e primavera. São atletas sem a menor visibilidade, exceto em ano de…

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Como se tivesse sido ontem, olho o calendário na parede e vejo que é primeiro de janeiro. Hoje, olho o mesmo calendário lá no seu canto e vejo que já estamos em agosto. Ao passo em que se apresenta o oitavo mês do ano, ainda parece-me respirar a atmosfera do Natal passado e ouvir os estampidos do Revéillon. A euforia do Carnaval também me parece  que foi ontem. E assim, não é à toa que uma das interjeições mais repetidas por todos nós, com assaz frequência, é: como o tempo está passando rápido! Empregamos o verbo no gerúndio, com a…

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Em 25 de julho, festejam-se o dia do Escritor, dia do Motorista e dia do Trabalhador Rural. Talvez não seja por mero acaso que a tríplice efeméride acontece na mesma data. Entre o motorista e o escritor nota-se forte afinidade. De modo que, quem maneja a pena, como quem conduz a direção precisa, sempre, de muito tento, conhecimento da estrada e domínio sobre as regras da profissão. No trânsito tumultuado sempre, muita vez o bom motorista tem que dirigir por si e pelos outros. Com o bom escritor é semelhante a situação. No vasto e promíscuo oceano de publicações virtuais…

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Eles estão retornando. Os santinhos bissextos, uma vez mais, descem das alturas para, embaixo na terra, refazerem sua peregrinação, por tudo quanto é buraco, batendo de porta em porta, distribuindo simpatia, aperto de mão, abraços e tapinhas nas costas. Chegam incensados, aureolados, puros, imaculados, reinventando assuntos e propostas salvadoras, apontando caminhos e soluções para todos os problemas. Não recebem promessas de seus devotos; do contrário, os santinhos bissextos fazem, eles mesmos, as promessas. E tantas são, que não têm conta. Todos os esforços são por eles feitos, na busca incansável e ansiosa pelo óbolo do povo, em forma de voto,…

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Morreu no começo desta semana, nas proximidades da cidade de Canindé, um homem de 104 anos. Seu Raimundo Medeiros cruzou a linha dos cem anos de vida em 2020, logrando viver ainda os primeiros quatro anos desta década. Viver é o termo certo, porque, mesmo tão longevo, ele mantinha uma existência ativa, cuidando da roça, participando ativamente da convivência familiar e entre amigos, a memória em dia, a conversa aprumada, com arrimo de uma lucidez admirável. Na noite de domingo, com dificuldade de respirar, foi levado ao hospital, aonde chegou com os próprios pés. Antevendo seus momentos finais, despediu-se, abençoou…

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Faz poucos dias ainda, o drama de um cachorro de rua chamou-me a atenção. Ferido em um braço, o animal abandonado permaneceu caído à beira da estrada, ficou ao relento uma noite inteira de chuva e, pela manhã, foi visto por uma senhora que passava no local. Comovida com o estado lastimável do cão, a primeira coisa que ela fez foi chorar copiosamente. E a segunda coisa foi tomar alguma providência. Como se vê, tratava-se de uma dessas almas raras que se compadecem da dor alheia. Pediu ajuda a outras pessoas, colocou o cachorro no carro, e mesmo interrompendo a…

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Há precisamente meio século o sertão virou mar. Depois da seca demorada no começo da década, o inverno de 1974 ficou na memória daquela geração que testemunhou inundações, desabamentos de casas e pontes, estradas interrompidas, arrombamentos de açudes e barragens, cidades praticamente submersas. Algo parecido com dilúvio atingira o Ceará e outros estados nordestinos, causando transtorno de toda ordem. Eu era ainda moleque de calção curto e escaramuçava no terreiro, montado no meu Pégaso feito de talo de carnaubeira, quando ouvia as pessoas grandes falarem sobre as torrentes de chuva em tudo que era canto. Várzeas tomadas pelas enchentes que…

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