Divulgação/Reprodução Internet |
Em um só dia a música brasileira fica duplamente enlutada. Nove de novembro. No final da manhã, espalha-se a notícia da morte de Gal Costa. E no final da tarde, a notícia da morte de Rolando Boldrin. Duas vozes que por décadas a fio alegraram os ouvidos mais refinados e emocionaram os corações brasileiros mais apaixonados e emotivos.
Gal viveu 77 anos, e Boldrin, 86. Embora cantando estilos diferentes, ambos têm certa semelhança em sua trajetória, pois surgiram no meio artístico nos anos sessenta do século passado, ralaram em busca do sucesso, conquistaram um sem-número de admiradores, viraram astros consagrados da Música Popular Brasileira, contemplaram várias gerações e se perpetuarão através da arte ou das artes, visto que ambos, Gal e Boldrin, foram artistas múltiplos. Ela, cantora, compositora e multi-instrumentista. Ele, também cantor, compositor, e além disso, ator e apresentador. Maria da Graça – depois Gal Costa – veio do Nordeste, baiana de Salvador. Descobriu-se cantora. Nessa escalada, outros artistas descobriram nela mais do que isso: uma voz de cristal. Foi de Salvador para o Rio de Janeiro. No Rio, mostrou seu talento que do Nordeste foi exportado para todo o Brasil e além-fronteiras. E tornou-se a cantora preferida dos colegas e do público. Zombou da ditadura militar e foi demonizada pelos censores enfurecidos do regime. Desafiou e manteve-se sempre a postos em favor da democracia. Gal Costa não foi, portanto, apenas uma cantora; foi uma artista marcante de uma época inimiga da liberdade artística e de expressão. E continuou sendo depois, até hoje e sempre, a cantora adorada no torrão nacional. Rolando Boldrin veio do interior paulista. Consta de sua biografia, que pegou carona em caminhão, para buscar a vida no eldorado paulistano, onde pegou no trampo como sapateiro, frentista, carregador, garçom e ajudante de farmacêutico. Ralou que ralou. Entretanto, a viola e a voz falaram mais alto, e a fama o aguardava. E eis que ele surge no cenário artístico, primeiramente no rádio, depois na televisão, onde foi ator de novelas e foi criador e apresentador de programas de muita importância para a música arraigadamente brasileira. Recordo as manhãs de domingo, nos primeiros anos da década de oitenta, quando na tevê se ouvia: “Corre um boato aqui donde eu moro / que as mágoas que eu choro são mal ponteadas…” Estava no ar o Som Brasil, programa apresentado por Boldrin, com música de abertura de autoria dele e por ele cantada. E haja causos e coisas do povo, e gracejos, e apresentações de artistas autênticos de diversos estados brasileiros. Porque Rolando Boldrin era a síntese dos caipiras de todos os cafundós do Brasil. Característica que ele conservou itinerante nos seus mais de 60 anos de vida dedicada à arte e à cultura genuinamente cheia de raízes. Depois, Som Brasil virou Sr. Brasil, com o mesmo sotaque e conteúdo rico de brasilidade. Na última quarta-feira, a morte, andarilha incansável, bateu à porta de Gal, bateu à porta de Boldrin, para nos contar um causo triste. E os levou. E com eles, levou duas grandes expressões culturais da nossa música, que enlutada está, porém, não emudecida, pois ambas as vozes um dia vieram para ficar. Imagino agora Rolando Boldrin e Gal Costa, nas paragens estratosféricas, onde por certo hão de se encontrar, cantando e dançando, pulando de alegria, soltos num cateretê… Pedro Paulo Paulino |