© Pedro Paulo Paulino |
Dia desses, durante minha caminhada matinal, por uma estradinha de chão, isolada e cercada de um lado e outro pela caatinga ainda verde, encontrei um conterrâneo, homem do campo, calejado e traquejado na luta da roça. Antes de tudo, deixe-se bem claro que encontrar um camarada habitante do sertão e não frear o passo para trocar pelo menos um dedo de prosa, constitui um ato de ofensa, mesmo que se esteja cumprindo o exercício de uma caminhada regular. Também constitui semelhante ofensa quando se visita a casa de um sertanejo e recusa-se a xícara de café gentilmente servida.
Pois bem. Em conversa com esse amigo, o assunto naturalmente descambou para o inverno. Contou-me ele que sua roça de milho, cerca de 50 litros de semente plantados, está agonizando a olhos vistos por falta de chuva. “Bastava uma chuva boa, que corresse água nas grotas, pra salvar a lavoura”, afirmou, melancólico, apontando o céu limpo e, embaixo, as folhas do marmeleiro já murchas e contorcidas. Nesta altura do campeonato, perguntei-lhe se ainda tem esperança que as chuvas voltem. Respondeu, lamentando, que não. Mas acrescentou, com um resto de fé: “Ninguém sabe das coisas lá de cima. Pode até ainda chover este ano, mas talvez não chegue mais com tempo de salvar a plantação”.
A agricultura no semiárido foi sempre como uma espécie de jogo de azar. Obter êxito no trato com a terra parece demandar mais sorte do que qualquer outro fator. Com as primeiras chuvas, sempre em janeiro, o sertanejo anima-se, enterra no chão as sementes de feijão e milho, vê-las nascer e cuida da limpa do mato, uma, duas, três vezes. Combate o ataque de lagartas e também dos passarinhos, sócios indesejados. E permanece torcendo, na expectativa ansiosa de que não falte chuva nos momentos mais críticos do ciclo de desenvolvimento dos pés de feijão e de milho. E eis que no momento mais importante, quando os feijoeiros já estão vingando suas vagens, e quando o milharal está pendoando e espigando, eis que nessa fase mais crítica, o tempo bate fofo e as chuvas desaparecem…
E quando as chuvas desaparecem por dias sucessivos, as esperanças do pequeno agricultor vão murchando, como os pés de milho e de feijão vão também murchando e amarelando por falta d’água. É uma tragédia secular, que se replica por anos a fio na maior parte do Nordeste. No ano em que as chuvas são bem distribuídas de janeiro a junho, é quando o lavrador do semiárido acerta na loteria e faz uma boa colheita. Uma questão de sorte e do acaso. Este ano, os aguaceiros de março e abril, que em muitos lugares causaram destruição e prejuízos, deram vez em maio a dias e mais dias de muito sol. O que sobrou de chuvas antes, faltou agora, comprometendo seriamente as lavouras de milho e feijão, nossas principais culturas.
E talvez não haja maior tristeza para a alma de um pequeno agricultor do que ver sua lavoura agonizando dia a dia, os pendões do milho acenando para o céu, como que pedindo chuva, uma chuva apenas, forte, salvadora. As bonecas de milho, com seus fios dourados, murchas, magras, parecem crianças raquíticas. Olhando sua roça se perder, o lavrador sertanejo amarga a derrota do seu suor derramado no preparo da terra, ainda no verão do ano anterior. Depois os dias de planta e os subsequentes dias de cuidado intensivo da roça: a limpa de mato, chegando terra com a enxada e adubando cada pé de feijão, cada pé de milho, cuidando de cada um como se um filho fosse, um filho que, prestes a prosperar, morre. Morre, simplesmente, por falta da chuva salvadora que não veio.
Pedro Paulo Paulino