© Pedro Paulo Paulino |
Há algum tempo, mais precisamente no começo de maio de 2014, a cidade de Canindé perdeu um personagem dos mais conhecidos de suas ruas. Morreu atropelado, numa manhã de domingo, João Paulo de Sousa Medeiros, o caricato Sargento Jotapê, que contava pouco mais de 30 anos de idade. Se é comprovado que a vocação não escolhe criaturas, a vocação para as armas, em seu voo cego, aterrissou de cheio na cabeça do Jotapê e dali nunca mais bateu asas. Pois se o destino não lhe favoreceu seguir seu ideal segundo a razão, de outro modo ele o fez.
Rigorosamente uniformizado, era sempre assim que ele aparecia em diversos lugares, sem lhe importar que o traje fosse velho e amarrotado ou que a boina ou o quepe excedesse em tamanho; o importante era não abandonar a farda. O coturno surrado e rasgado também não lhe diminuía a grandeza da sua vocação, expressa por ele com muita seriedade. Na sua curta carreira militar, cumpriu uma hierarquia meio confusa, de acordo com os fardamentos velhos que conseguia adquirir entre os amigos.
Personagem perfeito e acabado, como aqueles da ilustre Casa Verde do Dr. Simão Bacamarte, o Sargento Jotapê era um voluntário incondicional da Pátria, um miliciano aguerrido, defensor da moral e dos bons costumes. Cultivava amizades e por isso era querido de todos. Seu olhar melancólico talvez reclamasse a manifestação de outros abnegados que como ele engrossassem as fileiras do seu exército fantástico e da sua militância filantrópica. Isto porque abraçou as armas tempos depois que saiu de cena outro voluntarioso, por nome Valdemar Teixeira Lopes, o VTL, que por conta própria resolveu também envergar uma farda e se fazer quixotescamente guarda de trânsito da cidade, antes que esta tivesse um departamento dessa ordem.
Nosso herói mais recente, contudo, foi mais longe, e se é suposto que não logrou alcançar de todo o oficialato, a culpa, em suma, não lhe cabe. O indubitável é que, em tempos de tamanha conturbação e de insegurança pública, o valoroso Sargento Jotapê não se rendia a crises nem fazia conta de outra coisa senão exercer o seu ofício. Comparecia dessa forma nos mais variados pontos da cidade, dia e noite, inspecionando cada esquina, detendo-se em cada vulto suspeito, observando tudo e proclamando a ordem. Caminhava com passos regulares e sonoros, quase numa marcha bélica. Para os mais próximos, batia continência e passava, carregando nos ombros as insígnias do seu delírio e, na cabeça, o seu mundo fantástico, um mundo paralelo ao do restante dos homens que se julgam sãos.
Pedro Paulo Paulino