Há 138 anos, em 25 de outubro de 1886, nasceu, no interior do Maranhão, um menino pobre, fraco, feio e que seis anos depois ficaria órfão de pai. Passaria então a ter somente a proteção materna, sendo obrigado a trabalhar desde tenra idade. Miritiba, sua terra natal, era um grão de areia perdido no mundo e longe da civilização.
De lá, com a mãe, fixou residência em Parnaíba, onde pôde expandir melhor o seu espírito. Aprendiz de alfaiate, foi caixeiro e tipógrafo. Ave migratória, fez pouso em São Luís e Belém. A sede de saber e a literatura davam-lhe cócegas e perturbavam de forma positiva a sua mente privilegiada. Motivado por um talento invulgar, encarou o mundo, singrou mares e mudou-se definitivamente para o Rio de Janeiro, então Capital Federal. E em terras distantes, longe dos seus, buscou um lugar ao sol. E foi ali, centro cultural do país, que se tornou homem de letras. E foi ali, que de sua pena laboriosa saíram dezenas de livros, centenas de artigos, contos e crônicas reproduzidas nos grandes jornais do país. Em tudo o que produziu, de forma exaustiva, o notável escritor revelou, a par do alto mérito literário, sua profunda nobreza de espírito e a grandeza de seu sentimento humano.
Humberto de Campos Veras deve ter sido o mais brasileiro dos nossos escritores. Um homem que viveu literalmente de sua pena. Um proletário que, menino, alfabetizou-se em escola humilde, mas construiu uma bagagem cultural própria, com sacrifício e paixão pelas letras. “Bandeirante a sonhar com pedrarias”, é o que ele nos diz pela voz do poeta que também foi. Um provinciano que alçou voos altos e projetou-se unicamente através de sua pena. Essa mesma pena que o fez jornalista e levou-o a uma cadeira no Parlamento Nacional, abriu-lhe as portas da Academia Brasileira de Letras, consagrou-o Príncipe dos Prosadores e cronista mais lido em sua época em todo o Brasil. Marcou as letras nacionais com um estilo impecável e inconfundível, identificado em cada linha pela clareza, leveza e a graça de sua prosa, confrontando a tradição de uma época em que o pedantismo linguístico ainda era sinal de escrever bem.
Embora conquistando fama e sucesso à custa exclusivamente de sua literatura; conquanto deputado federal e acadêmico; mesmo se relacionando com a fina flor de seu tempo, Humberto de Campos, a vida inteira, deparou-se com vicissitudes que, nos espíritos de menor força, acarretam a derrota total. Enfermo, encarou a adversidade usando como consolo o bico afiado de sua pena, forjada na mais pura e nobre ourivesaria do espírito. E assim, teve sempre a sabedoria de tirar dos reveses e obstáculos uma dose de proveito próprio para vencer com talento e brio.
“Escrevo a história da minha vida não porque se trate de mim; mas porque ela constitui uma lição de coragem aos tímidos, de audácia aos pobres, de esperança aos desenganados, e, dessa maneira, um roteiro útil à mocidade que a manuseie”, registra Humberto no prefácio de seu livro de memórias, quiçá uma das publicações mais lidas no Brasil, à época em que veio à lume, já nas vizinhanças da morte do autor, com apenas 48 anos. Memórias e Memórias inacabadas são confissões de um homem que fez do trabalho literário e da verdade a sua profissão de fé.
Meu primeiro contato com Humberto de Campos deu-se em meados dos anos oitenta do século passado. Um a um li os livros do brilhante maranhense, por conta de minha aproximação com o Sr. Francisco Karam, admirador confesso de H. de C., e que me confiou, paulatinamente, os exemplares de sua estimada biblioteca. Ainda hoje, quando releio Humberto, sinto o mesmo impacto e o mesmo entusiasmo literário que senti naquele meu tempo de secundarista do Ginásio Paulo Sarasate, de Canindé. Há quem afirme que o ilustre escritor maranhense anda na sombra do esquecimento, algo que ele mesmo profetizou em vida. Creio que não. Escritor fecundo, imortal da ABL, seu vasto legado literário por si só é suficiente para manter aceso o seu nome. Até a remota Miritiba de sua infância e memórias tem hoje o nome de seu filho ilustre, um operário que fez das letras o seu ofício e escrevia movido por vocação sublime e necessidade premente, o que o levou a declarar: “Passei a vida a insistir no comércio mais idiota deste mundo: vendia miolo da cabeça para comprar miolo de pão”.
É a esse autodidata, glória das nossas letras, que dedico, com a mais completa ausência de vaidade, a Crônica da Semana de hoje, coincidindo com a data de nascimento do imortal memorialista.
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“Passei a vida a insistindo no comércio mais idiota desse mundo vendia miolo da cabeça para comprar miolo de pão.” Sensacional, está frase desse grande escritor. Homenageado por outro “mago’ das letras de Campos Elíseos, sertão de Canindé.
Obrigado, sempre, pela leitura de minhas modestas crônica, meu caro Dr. Pedro Gervásio! Abraços!