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Acabo de ler cem crônicas escolhidas de Rachel de Queiroz. Um alpendre, uma rede, um açude é o título do livro, com selo da Editora José Olympio. O repertório de crônicas selecionadas abrange pelo menos um ciclo de dez anos de atividade jornalística da escritora, o período entre 1946 e 1956, quando ela era habitante da Ilha do Governador, no Rio de Janeiro. Algumas crônicas vêm assinadas diretamente do Ceará, escritas sempre quando ela retornava ao seu chão de origem.
A maioria desses escritos, senão todos, foram publicados originalmente na revista O Cruzeiro, publicação semanal que atravessou incólume quase cinco décadas, pertencente ao grupo de comunicação Diários Associados, um dos maiores impérios na história da imprensa brasileira. Nessa revista, Rachel escreveu durante 30 anos, deixando um legado de centenas de crônicas, dividindo-se entre o jornalismo e a literatura, como cronista e romancista, até adentrar as portas da Academia Brasileira de Letras, na condição de primeira imortal da ABL.
E saboreando as crônicas de Rachel, é que se pode ter a dimensão exata do talento literário da autora d’O Quinze, romance que a celebrizou ainda na pujança dos seus 19 anos de idade. Em suas crônicas, a escritora cearense mergulha na profundidade do seu pensamento intelectual e filosófico, e ao mesmo tempo, revela sua notável habilidade com as palavras, externando com o máximo de brilho e sutileza, pontos de vista, conceitos, pensamentos, imagens, acerca da realidade da vida – da vida urbana do Rio de Janeiro de seu tempo e também da vida rude do nosso sertão, do qual ela sublinha nitidamente aspectos, personagens e fatos. Tudo isso grafado num estilo cristalino como água de cacimba. Em suas crônicas, Rachel passeia pelo sertão cearense com o conhecimento de causa do mais autêntico sertanejo.
Uma boa variedade de suas crônicas tem o sabor de verdadeiro conto, ou o embrião de um romance. Há trama, expectativa, tensão, suspense. Destaca-se, dentre essas, a crônica que tem como título O caso da menina da estrada do Canindé. Trata-se de um enredo empolgante, com desfecho surpreendente, tendo como cenário algum lugar no meio rural em torno dessa cidade, no Sertão Central cearense, e que certa vez recebeu a visita honrosa da já celebrada escritora. Foi em meados dos anos 1960, durante uma viagem que Rachel empreendeu, de Fortaleza a Quixadá, em um trole de uso dos engenheiros da Rede Viação Cearense, a RVC, administradora da estrada de ferro de Baturité.
Falando sobre o assunto com o médico canindeense Pedro Gervásio Moreira Martins, ele relembra esse acontecimento no mínimo extraordinário. E conta que seu pai, Sr. Alberto Martins, então prefeito de Canindé, soube que Rachel, durante essa sua viagem, passaria pela cidade de Itapiúna, na região serrana, e o chamou a irem até lá, para, na oportunidade, convidá-la a visitar Canindé. A viagem foi feita a contento, o convite foi aceito de bom grado e, a bordo de um veículo oficial da prefeitura, uma caminhonete modelo Rural, Sr. Alberto Martins transportou a esta cidade o casal Rachel de Queiroz e o médico Oyama de Macedo, com quem foi casada por mais de 40 anos.
Dr. Pedro Gervásio, então um jovem de pouca idade, recorda que, em Canindé, Rachel de Queiroz, de fino trato e observadora, visitou a Basílica de São Francisco, o Convento de Santo Antônio (na época seminário menor), o Convento Santa Clara, a capela do bairro do Monte e foram recebidos para o almoço na residência do Sr. Alberto Martins e da primeira-dama do município, D. Ivone Martins. Encerrada a visita, os anfitriões conduziram de volta o casal à cidade de Itapiúna, de onde Rachel e o marido seguiram viagem rumo à sua fazenda Não Me Deixes, no sertão de Quixadá.
Pedro Paulo Paulino