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O dia de Finados está chegando, com suas nuanças de saudade e respeito por aqueles que já partiram: entes queridos, amigos ou simplesmente conhecidos. Anônimos ou famosos. Nessa data, pois, ocorre-me fazer alguma consideração sobre o campo-santo do lugar onde nasci, cresci e sigo a vida.
O cemitério de Campos tem um século e alguns anos mais de existência. Durante decênios funcionou como destino último quase exclusivo da gente do lugar e só de tempos a tempos testemunhava um funeral. Reduzido e muito simples, foi construído em terras de Júlio Paulino Gomes, coração dos mais humanitários que já vieram a este mundo e hoje ali ‘descansa dessa longa vida’. A conservação da velha necrópole ficava também sob seu encargo filantrópico, afora outras ações próprias de um benfeitor.
Mas o tempo rege também a cidade dos mortos. Com o correr dos anos o cemitério de Vila Campos ganhou status de necrópole regional, as paredes que o cercam foram empurradas de um canto para outro em busca de mais espaço e agora se vê ali a realização de enterros com uma frequência inusitada. Mais de uma vez já se sucederam até dois ou três sepultamentos num só dia. Em contrapartida, o mutirão de limpeza do campo-santo ajunta sempre dezenas de mãos solidárias.
Outro sinal do crescimento é visto nas fileiras de jazigos de concreto, alguns tão vistosos que parecem moradia dos vivos. O que era há poucos anos um amontoado de covas humildes e cruzes toscas transformou-se num labirinto de construções fúnebres. Até a cal dos sepulcros singelos deu lugar à cor viva do mármore.
Na multiplicidade de túmulos que compartilham aquele território encontram-se os jazigos dos Paulino, dos Ferreira, dos Sousa e outros troncos familiares. Ali dormem ad aeternum meus avós e bisavós. Meu pai e minha mãe. Gerações e gerações, no meio das quais – o fato é tanto curioso quanto lastimável – ninguém gravou até hoje um único epitáfio!
Em frente ao portão ergueu-se a capelinha de Nossa Senhora da Piedade, uma conquista recente que também demarca o grau de progresso do patrimônio. Antes de sua existência, a missa de corpo presente era oficiada na capela de São Roque, em cuja nave o esquife era colocado sob o olhar vidrado do padroeiro lá no seu altar. Porém, com a concorrência do novo templo convencionou-se de bom grado que em Campos São Roque cuida dos vivos, e Nossa Senhora da Piedade responde pelas almas.
No Dia de Finados o cemitério de Vila Campos acolhe visitação constante. De lugares diferentes o povo aflui para cumprimentar com rezas as suas almas queridas, e com luz de velas deixar uma mensagem de afeto. Da minha janela, à pouca distância do local, avisto sempre o vaivém de pessoas. E contra a brancura da amurada lúgubre vejo bater a luz alegre da manhã de sol, revelando que ali dentro, aquele instante, há mais sinal de vida do que mesmo fora.
Pedro Paulo Paulino