Continua na vitrine de toda a mídia, desde os últimos dias de junho passado, o caso da alpinista brasileira vítima de queda enquanto escalava trilha ao redor de um monte vulcânico na Indonésia. Notícias dão conta de que Juliana Marins, de 24 anos, caiu por cerca de 300 metros da trilha, passando pelo menos quatro dias aguardando resgate. Na terça-feira, 24 de junho, a jovem foi encontrada morta.
“Durante as buscas, a família mobilizou as redes sociais e o assunto se tornou um dos mais comentados na internet. A página criada pela família para informar e repercutir as diversas demandas dos envolvidos ganhou milhares de seguidores em poucas horas, alcançando a marca de 1,2 milhão de seguidores”, estampa o noticiário.
Até então, Juliana Marins era uma jovem completamente anônima que, por conta de uma fatalidade que lhe custou a vida, tornou-se, de momento, celebridade póstuma em todo o mundo. O caso da jovem inditosa soma-se a outros semelhantes que, com frequência, estão se tornando comuns nos dias de hoje, notadamente, por conta do poder da vertiginosa comunicação eletrônica, facultando a cada um de nós a possibilidade de produzir e propagar a notícia com foros de largo alcance.
Foi também no mês de junho, porém no ano 2023, que acontecido semelhante envolvendo turistas aventureiros tomou conta da mídia global. Naquele momento, cinco tripulantes do submarino Titan, que realizavam uma expedição para visitar os restos mortais do histórico navio Titanic, desapareceram nas profundezas do Oceano Atlântico. Os cinco mortos na tragédia, também até então anônimos, viraram, de uma hora para outra, celebridades póstumas em todo o mundo.
O caso da alpinista brasileira, por outro lado, suscitou polêmica, debate e discussão em torno, principalmente, da demora na prestação de socorro, segundo alegou a família da vítima. Opiniões e comentários diversos preencheram seus espaços nas redes sociais da internet, universo sofisticado que é hoje, e como nunca, o palco da democracia universal.
Deixando de lado o mérito da questão, o que nos provoca a curiosidade é a glória da fama em larga escala concedida àqueles que não tiveram a chance de testemunhá-la nem de usufruí-la. De súbito, alguém, dentre os cerca de oito bilhões de habitantes hodiernos do planeta terra, tem seu nome e imagem escancarados nos meios de comunicação do mundo inteiro, tornando-se uma celebridade… póstuma.
Fenômenos semelhantes, em contextos bastante diferentes, também aconteceram no passado, não por conta de fatalidades, mas envolvendo pessoas que simplesmente viveram, e depois de mortas se tornaram famosas.
O pintor holandês Vincent Van Gohg, por exemplo, conseguiu apenas em vida vender um de seus quadros, a um amigo, e por preço módico. Ele produziu mais de dois mil quadros, alguns avaliados hoje em mais de cem milhões de dólares.
Na literatura, o extenso rol de famosos depois da morte inclui, por exemplo, o tcheco Franz Kafka, que de obscuro advogado metamorfoseou-se, já finado, no celebrado escritor lido e reconhecido em todo o mundo. O mesmo vale, apenas como exemplo, para os brasileiros Lima Barreto e Oswald de Andrade, que em vida não fruíram o prestígio da fama. O primeiro tem seu nome ligado intrinsecamente ao movimento modernista literário nacional. O segundo publicou romances, sátiras, contos e crônicas. Porém, a maior parte de sua obra foi redescoberta e reunida em livro, quando seu autor já era.
Em vista desse fatal e corriqueiro desencontro da fama com seu dono em vida, prevalece, mais do que nunca, o recado do compositor brasileiro Nelson Cavaquinho, explícito na letra de uma das mais belas páginas musicais do nosso cancioneiro, consagrada para sempre com o filosófico título Quando eu me chamar saudade, em que se ouve o singular protesto: “Me dê as flores em vida / O carinho, a mão amiga / Para aliviar meus ais / Depois que eu me chamar saudade / Não preciso de vaidade / Quero preces e nada mais”.