Faz poucos dias ainda, o drama de um cachorro de rua chamou-me a atenção. Ferido em um braço, o animal abandonado permaneceu caído à beira da estrada, ficou ao relento uma noite inteira de chuva e, pela manhã, foi visto por uma senhora que passava no local. Comovida com o estado lastimável do cão, a primeira coisa que ela fez foi chorar copiosamente. E a segunda coisa foi tomar alguma providência. Como se vê, tratava-se de uma dessas almas raras que se compadecem da dor alheia. Pediu ajuda a outras pessoas, colocou o cachorro no carro, e mesmo interrompendo a viagem, regressou à cidade de Canindé em busca de assistência.
Após os procedimentos, veio a recomendação de levarem-no a Fortaleza para uma cirurgia não realizada por aqui. A mulher caridosa, entretanto, tinha suas ocupações e justificou que até ali fizera o que estava ao seu alcance. Trouxe o cachorro de volta ao local de origem, pediu que olhassem por ele e seguiu viagem. Foi quando tomei conhecimento do fato.
Já providenciava recolher o animal, quando, por extrema coincidência, recebo a visita de um casal, amigos de longo tempo e que há muito não nos víamos. Participei-lhes o caso. Condoídos também, eles foram ver de perto o pobre cão, contataram os voluntários de uma entidade protetora dos animais, contaram-lhes todo o drama, e a equipe entrou em ação.
O cachorro foi encaminhado a uma clínica especializada na Capital. “É preciso leva-lo de volta, para tomar antibióticos, até que esteja pronto para a cirurgia”, foi o que lá ouviram. Nessa via-crúcis, o animal passou então para as mãos de um veterinário em Canindé, que abnegadamente está tratando dele em casa. Passa melhor e deverá em breve ter o braço operado.
Bem, mas essa é somente uma história no meio de um sem-número de situações semelhantes, de animais sem dono, e outros, doentes, morrendo à míngua. Conforme dados, o índice de abandono de cães e gatos no Brasil chega à casa dos mais de cem milhões. Uma pequena população vive em abrigos, enquanto alguns, porventura, encontram tutores ou quem os adote.
De tal modo que é fácil vê-los em todas as cidades, povoações, nas ruas, praças, becos, sarjetas, mercados públicos, ao redor de restaurantes e lanchonetes, feito almas penadas, sem voz para contar suas agruras e sofrimentos. Se não falam, o próprio estado físico revela os dias e mais dias de abandono e solidão, de fome e sede, de calor e frio, de desamparo e infortúnio completo. O olhar suplicante de cada um desses mendigos de quatro patas vale pela voz que lhes falta. No seu olhar triste – nota-se claramente – eles nos pedem um gesto de caridade, pois foram domesticados há não sei quantos séculos pelo homem e perderam a capacidade de viver de outro modo.
Ainda assim, diante do caos não faltam as más línguas para alegar que a atenção aos animais vai de encontro à falta de cuidados com pessoas também vítimas da miséria. Isto, porém, não vem ao caso, uma vez que, sabe-se, há um aparato público portentoso nas mãos dos governantes, que alardeiam aos quatro cantos projetos e verbas destinados à saúde, educação e assistência social, principalmente em ano de cata de votos. Enquanto isso, os animais sem dono vegetam à deveria de políticas públicas que os amparem. Porque, também entre os bichos, há aqueles que nascem fadados ao sofrimento por toda a vida, verdade triste e tão antiga quanto o Livro dos Provérbios, que de longe nos diz: “O justo atenta para a vida dos animais, mas o coração dos perversos é cruel”.