Naqueles campos de laranja, o sol se levantava muito antes do que a maioria dos meninos e meninas poderia sequer imaginar. O calor que irradiava das árvores não era só o do clima quente, mas o peso da rotina, a força de uma realidade que forçava as crianças a crescerem de repente. Era ali, entre o verde dos laranjais e o dourado do fruto que elas precisavam colher, que o sonho de ser criança se perdia um pouco mais a cada dia.
Eli e Edi eram duas dessas crianças. Eles acordavam, colocavam a roupa que parecia ser a mesma todos os dias e partiam para o trabalho, onde a única coisa que mudava era o cansaço. O som das folhas sendo rasgadas das árvores, o cheiro da fruta madura e o peso da cesta se tornavam uma parte natural do corpo. Mas, no fundo, algo dentro deles ainda resistia àquele destino que parecia já traçado. Eles queriam algo mais, algo que não tivesse o gosto amargo do suor misturado com o pó da terra, nem o aroma de laranja que marcava sua pele e seus sonhos.
A escola, aquela distante possibilidade, era um luxo que parecia inalcançável. Como ir para a escola, como aprender, se o trabalho nos laranjais não dava trégua? Como ser criança, com a obrigação de carregar no corpo o peso de um mundo que não lhes deixava o tempo de ser?
A professora Joana, que conhecia bem a dura realidade dos seus alunos, não queria que seus olhares perdessem o brilho da curiosidade. Ela via além da laranja: via sonhos, via potencial, via esperança. Mas sabia que, na dura realidade de Eli e Edi, tudo isso estava em risco. Como tentar ensinar valores de um mundo que eles mal podiam acessar? Como fazer com que eles acreditassem que podiam sonhar, se o próprio trabalho de cada dia roubava esses sonhos?
— Vocês podem lutar por seus estudos — dizia ela, com a mesma determinação que tentava passar para seus alunos. — O trabalho é pesado, mas o aprendizado é mais forte. Enfrentem a realidade de frente, mesmo que seja difícil. Vocês têm o direito de sonhar com um futuro melhor.
Ela falava e os olhos de Eli e Edi, sempre atentos, brilhavam um pouco mais. Mas cada palavra da professora soava como um desafio — um desafio para o qual o tempo parecia sempre fugir. Como sobreviver e estudar ao mesmo tempo? Como transformar a laranja que alimentava o corpo, mas tirava a infância, em um símbolo de liberdade?
A verdade é que o trabalho infantil, como o que Eli e Edi enfrentavam, era um cruel ladrão de infância. Rouba o tempo, rouba os sonhos, rouba o futuro. E, embora a escola e a educação fossem uma porta, muitos não tinham as chaves para abri-la. A infância, nesse cenário, deixava de ser o espaço da brincadeira, da aprendizagem e da descoberta para se tornar apenas uma passagem para a dura vida adulta.
No entanto, o brilho nos olhos de Eli e Edi, mesmo que momentâneo, era a prova de que, por mais difícil que fosse, o sonho ainda resistia. Talvez, um dia, as laranjas fossem colhidas por mãos mais velhas, e as crianças finalmente poderiam ocupar o lugar que o mundo lhes devia: o de ser criança.