Seis aninhos, corre para a avó e exclama: “Boboia, meu dente caiu, traz a cola”. E mostra na conchinha da mão um pequenito dente de leite que acabara de se desprender da gengiva, abrindo a primeira “janelinha” no sorriso mais puro deste mundo.
O acontecido já era esperado, visto que a mãe havia explicado que dentes caem na infância. Ela então aguardou com expectativa a novidade, como se aguardasse uma nova boneca ou outro brinquedo. E quando aconteceu, ela teve a curiosa ideia de querer colar de volta o dente em seu lugar. Talvez por ter visto alguma vez alguém consertando com cola algum objeto. Mas lhe foi explicado que outro dentinho vai nascer em breve, e que todos os outros serão substituídos. Ela sorri e volta para seus brinquedos.
“As crianças não brincam de brincar. Brincam de verdade”, é o que nos diz, com a magia da sua simplicidade, o poeta Mario Quintana. Assim é que Ana Marina, de seis aninhos, brinca com sua turminha de bonecas. Inspirada na sala de aula onde estuda, teve a brilhante fantasia de criar uma escola, a qual batizou de: “Escola que não dorme”, onde as alunas são Sara, Tuca, Pepa, Lulu, Bruxa Doida, Sansão, Chapeuzinho Rosa, Florzinha e Ditinha. A aula, ministrada por ela, diante de um pequeno quadro, com frequência é interrompida, para ralhar com uma das “alunas”, em flagrante delito de algum mau comportamento.
Na sua fértil imaginação infantil, aquele seu pequenino mundo ganha cores, animação, movimento e traços lúdicos de realidade. E aquela turma de bonecas, no seu entender, são de fato pessoas a quem ela dá voz e vida, tratadas com todo afeto. Nesse ambiente rico de sonhos e inocência pura, convive a felicidade plena, perdida para sempre pelos adultos.
As crianças têm ideias impressionantes. E perguntas surpreendentes. Uma curiosidade sem limite. Recordo que, na minha infância, olhando a lua cheia, indagava, ansioso, em qual local daquele astro o homem havia pisado: se na cabeça de São Jorge, do cavalo ou do dragão. “Conheço muitos adultos que ficam desconcertados quando as crianças pequenas fazem perguntas científicas”, observa o genial cientista e escritor Carl Sagan.
Nessa fase inicial da vida humana, habitamos um mundo único, cujas fronteiras, uma vez superadas, nos transportam para o universo cinzento da vida adulta. E nesse território hostil, quanto mais crescidos ficamos, mais distantes no passado vão ficando a beleza, o encanto e a verdadeira alegria da existência. A infância é o casulo que guarda o projeto de um futuro homem ou futura mulher, que serão tragados pelo abismo dos desejos e ambições, muita vez sem graça e destrutivos, dos adultos. Fato que leva o francês Louis Pasteur a afirmar: “Quando vejo uma criança, ela inspira-me dois sentimentos: ternura pelo que é e respeito pelo que pode vir a ser”.
A infância é o recreio antecipado de todos os enfados e fadigas e tédios e desilusões que estão por vir, em nossa caminhada. Saímos da infância, como quem sai do parque de diversões para a realidade crua da vida. A infância é o paraíso perdido. Um conceito traduzido em poucas palavras pelo sambista Ataulfo Alves, que recordando “aqueles dias de uma luz tão mansa” (aqui de volta Quintana), foi tão feliz quando proclamou, da tribuna do coração, que “era feliz e não sabia”.
Salve o Dia da Criança!
2 Comentários
Descreveu as crianças da maneira mais sublime da ingenuidade próprias da idade, e o autor desse belo texto não se fez de rogado, indo ao seu passado para reafirmar a sua própria ingenuidade.
Obrigado, meu amigo Dr. Pedro. Vc é um leitor que nos estimula a escrever!