Sofia Amundsen tinha apenas 14 anos, mas sua mente era insaciável, como um vasto campo que aguardava a semente da sabedoria. Talvez fosse o fato de viver com a mãe e os animais de estimação, na ausência constante de um pai que viajava pelos mares, o que a fazia olhar para o mundo com olhos inquietos, buscando respostas para tudo o que estava ao seu redor. Não que as respostas chegassem facilmente, mas para ela, a busca sempre foi mais fascinante que o encontro final.
O dia que Sofia recebeu, por acaso, dois bilhetes misteriosos na caixa de correio marcou o início de uma jornada que muitos de nós, jovens, poderiam reconhecer. “Quem é você?” e “De onde vem o mundo?”. Pareciam perguntas simples, mas, como tantas questões profundas, pareciam abrir uma caixa de Pandora dentro de sua cabeça. Até então, a curiosidade de Sofia havia se limitado aos livros e às descobertas cotidianas, mas aquelas perguntas a arrastaram para um território desconhecido. O que significava “quem sou eu”? E como poderia compreender o vasto e complexo mundo ao seu redor?
Foi aí que começou a sua imersão no universo filosófico, como se ela própria estivesse sendo guiada pela mão invisível de um mestre que sabia exatamente o que precisava ser dito. Por correspondências misteriosas, Sofia começou a aprender com um tal de Alberto Knox, um professor peculiar, que se revelava através de ideias, metáforas, e questões que não pediam respostas prontas, mas, sim, que provocavam mais e mais questionamentos.
O filósofo ateniense Platão, que outrora se viu imerso em suas próprias perguntas, seria um dos primeiros a responder ao mundo de Sofia. Para Platão, a filosofia começava justamente com o espanto diante das coisas mais simples, como uma flor, um céu estrelado ou até uma velha pedra jogada ao chão. O encantamento com o mundo era a chave para a compreensão do universo das ideias.
Sofia, ao se deparar com a teoria das ideias de Platão, compreendeu que o que vemos ao nosso redor não é exatamente a realidade plena, mas uma cópia imperfeita de algo mais perfeito, algo que existia apenas no mundo das ideias. Era como se a verdade estivesse oculta em algum lugar, esperando para ser descoberta por aqueles que estavam dispostos a admirar as coisas com mais profundidade. Com isso, sua visão do mundo começou a se expandir, e as respostas pareciam sempre mais distantes, como um ideal inalcançável.
E, em sua busca, Sofia também foi aprendendo a ver o quanto as ideias filosóficas se entrelaçam com a subjetividade humana. A subjetividade é aquilo que cada um de nós carrega em seu íntimo: a nossa maneira única de ver o mundo, de sentir e de interpretar os fenômenos. Ela é a lente através da qual a realidade é percebida, mas, como ensina o filósofo, ela também pode nos enganar. Pensar filosoficamente, então, é questionar as certezas que carregamos e estar disposto a enxergar além do que nos é apresentado. Talvez, em última análise, a verdadeira filosofia seja, como sugeria Platão, uma forma de voltar ao nosso estado mais puro, onde as respostas, por mais complexas que sejam, nos levam ao entendimento de quem realmente somos.
Mas, no enredo de “O Mundo de Sofia”, a filosofia não se limita às páginas de um livro. Ela se mistura com a vida da nossa protagonista de uma maneira intensa e emocionante. Ao longo da história, Sofia não apenas aprende sobre os filósofos, mas vive com eles. Ela sente as perguntas, ela as toca, ela se perde e se encontra nos mistérios de sua própria existência. E, enquanto ela tenta compreender a si mesma e o mundo ao seu redor, começa a perceber que o mundo em que ela vive talvez seja apenas uma construção, uma história escrita por alguém mais. Sua própria vida se torna um enigma filosófico.
O romance de Jostein Gaarder, assim como os ensinamentos de Platão, nos mostra que a filosofia não é apenas para aqueles que se sentam em cadeiras e leem livros antigos. A filosofia está em nossa vida cotidiana, nos questionamentos simples e profundos que nos surgem, nas escolhas que fazemos e nas dúvidas que nos habitam. Ao longo do caminho, Sofia nos ensina que, ao questionarmos tudo o que nos cerca, ao admirar as pequenas coisas do mundo, estamos nos conectando com a verdadeira essência da filosofia. E, talvez, a maior lição seja que não importa o quanto sabemos, mas sim o quanto continuamos a nos maravilhar e a buscar novas respostas.
Por fim, em seu aniversário de quinze anos, Sofia se vê diante de uma grande revelação. Ela havia passado de aprendiz a protagonista de sua própria história filosófica, talvez compreendendo que a maior resposta de todas não está em descobrir a verdade, mas em continuar a busca. Como Platão sugeria: a capacidade de admirar-se com as coisas do mundo confere aos seres humanos habilidades para o exercício da Filosofia.
E então, o mistério de sua existência talvez tenha sido apenas mais uma peça da grande construção filosófica, onde, ao final, a única certeza que resta é o mistério de estarmos todos, como Sofia, em busca de algo maior.