Morreu no começo desta semana, nas proximidades da cidade de Canindé, um homem de 104 anos. Seu Raimundo Medeiros cruzou a linha dos cem anos de vida em 2020, logrando viver ainda os primeiros quatro anos desta década. Viver é o termo certo, porque, mesmo tão longevo, ele mantinha uma existência ativa, cuidando da roça, participando ativamente da convivência familiar e entre amigos, a memória em dia, a conversa aprumada, com arrimo de uma lucidez admirável.
Na noite de domingo, com dificuldade de respirar, foi levado ao hospital, aonde chegou com os próprios pés. Antevendo seus momentos finais, despediu-se, abençoou entes queridos, e na madrugada fechou os olhos. Um comboio vistoso acompanhou o enterro. O fato repercutiu nos noticiários e nas redes sociais virtuais.
No Brasil, atualmente, estatísticas informam que há perto de 40 mil pessoas com cem anos ou mais de idade. As mulheres lideram, com cerca de 70 por cento. No mundo todo, os centenários somam aproximadamente 270 mil. A projeção é de que em 2050 esse número chegue à casa dos quatro milhões de matusalém.
Voltando ao nosso conterrâneo de 104 anos, convém dizer que ele, conforme ouvimos de familiares, tinha uma vida saudável, longe das maiores vilãs que tanto perseguem homens e mulheres hoje em dia: pressão alta, diabete, Alzheimer e Parkinson. Nunca foi de andar buscando consultório, nutricionista, geriatra ou coisa do gênero. Acordava cedo e cedo dormia. O feijão e o arroz nosso de cada dia fizeram parte do seu cardápio a vida toda. O fumo de mascar e o cachimbo foram seus companheiros também a vida toda. Era o caçula de cinco irmãos. Os quatro mais velhos morreram antes, também quase centenários. Deixou viúva a esposa também quase centenária e uma descendência numerosa de filhos, netos e bisnetos.
A longevidade de seu Raimundo Medeiros parece contradizer todas as tendências, recomendações, dicas, regras e conselhos espalhados diariamente para que se tenha uma vida saudável e prolongada. Não dispensava o sal na comida e o açúcar no café. Sua academia de ginástica foi a labuta diária. Não se alimentava medindo os miligramas. Conviveu com secas alastrantes, atravessou surtos de doenças, inclusive a pandemia do coronavírus, venceu dificuldades inerentes à vida no campo, foi peão de estrada, cultivou milho e feijão, multiplicou seu sangue, fundou um vilarejo batizado com seu sobrenome, ouviu falar das primeira e segunda guerras, virou o século, alcançou a tecnologia da informação moderna, sem dela participar diretamente, e morreu de forma serena na madrugada.
A longa vida de Seu Raimundo Medeiros e de tantos outros centenários é, enfim, um contraponto aos ditames dos modismos e regras estabelecidas nos dias de hoje, haja vista que ele alcançou 104 anos à revelia do catatau de mandamentos de saúde. Paciente, calmo sempre, tranquilo e sorrindo, no final das contas, Seu Raimundo Medeiros prova ter observado, unicamente e sem nem saber disso, a regra de Cícero, o filósofo italiano precedente de Cristo, segundo o qual: “Para se ter vida longa, é preciso viver devagar”.