O último dia de maio do ano 2020 significou também os últimos instantes de Arievaldo Viana. Na manhã daquele sábado começou a circular a dolorosa notícia da morte do artista múltiplo, no vigor dos seus 52 anos de idade. O choque emocional foi coletivo, tornando mais sinistros aqueles dias já tão cheios de sofrimento e dor, diante das notícias da perda de um sem-número de pessoas levadas seguidamente pela terrível pandemia que dominou o planeta inteiro.
Embora não se tenha contaminado pelo vírus mortal, outra enfermidade subtraiu do nosso convívio um dos mais fecundos talentos, deixando enlutado o conjunto de artes por ele trabalhadas com mestria e entusiasmo. Do desenho à literatura de cordel, da prosa à xilogravura, do rádio ao meio publicitário, fulgurou a chama da criatividade de Arievaldo Viana, que ainda imberbe começou a debutar nas passarelas do meio artístico da cidade de Canindé, saltando depois para Fortaleza, onde cada vez mais aqueceu-se a sua usina de produção intelectual.
Em total atividade, alimentando sonhos, fermentando ideias, idealizando projetos literários e concebendo realizações constantes dentro de sua lide de operário incansável das artes, Arievaldo foi tristemente surpreendido pela unha carrasca da morte, que não poupa vivente algum. De forma precoce, em sua faina crua e ininterrupta, a “indesejada das gentes” veio ter à porta do grande artista, quando este se encontrava no ápice de sua carreira profissional, movido por energia criadora incessante e planos de realizações futuras cheias de promessas alvissareiras.
Em sua ainda curta escalada como poeta, escritor, chargista, caricaturista, ilustrador, profissional de marketing e redator, legou para as letras cearenses pelo menos uma dezena de livros de sua autoria, com temática regional, sobretudo em diálogo com o humorismo garimpado diretamente do cotidiano popular, quer seja urbano ou do meio rural. Tudo isso, afora centenas de outras publicações impressas, em folhetos de cordel, artigos e crônicas espalhados em jornais, revistas e meios eletrônicos, que o tornaram reconhecido nacionalmente.
Sua última publicação em formato de livro, No tempo da lamparina, segundo volume de memórias lançado em 2018, conta a história do menino humilde, nascido e criado na roça, alfabetizado pela própria avó, e que, ainda na puberdade, deixou o aconchego do chão natal, os banhos de riacho, as apanhas festivas de algodão, a pura felicidade sertaneja e alargou os passos em busca dos centros urbanos, levando sempre na bagagem o talento e a determinação de vencer, inclusive, na metrópole, onde tomou parte diretamente da cena cultural cearense, da imprensa e dos meandros publicitários, circulando admiravelmente entre nomes importantes das letras e das artes em suas diversas faces.
É necessário dizer também que, lado a lado com o artista intensamente laborioso e o espírito iluminado de Arievaldo, caminhava o homem de caráter indiscutível, o ser humano de coração abnegado, o pai de família dedicado, o trabalhador consciente e honesto em seu ofício e, antes de mais nada, o amigo sincero e leal. Um lustro já o separa do seu convívio neste mundo. As lembranças que dele aqui ficaram, contudo, serão indeléveis sempre. Recordações de momentos vários e descontraídos, de seu comportamento eletrizado, a mente trovejante de novas ideias, povoada de letras e rimas, folhetos de cordel e livros, feiras e eventos culturais, viagens a lugares distantes aonde ele ia disseminando coisas e causos, histórias e lendas, promovendo intercâmbio com outros sotaques e costumes.
De forma tal que, para todos nós que privamos longamente da sua presença e o recordamos tomados de profunda nostalgia, resta-nos, como consolo, pôr-se, genuflexos, diante do que nos diz Salomão, o rei sábio: “Os insensatos imaginam que os justos estão mortos, pensam que a morte destes é uma desgraça e que a sua separação de nós é uma calamidade; mas a verdade é que eles estão em paz”.
6 Comentários
Belíssima homenagem!!! Texto excelente!!!
Obrigado!
Arievaldo, Laurismundo e Zezé Alves, se fosse possível reproduzir infinitamente, estes três valores, a humanidade só teria a ganhar, e muito!
Concordo.
Caro cronista, seu texto me tocou profundamente a alma em mais completo sentido: o ânimo e as boas lembranças serão o suporte para amenizar a saudade. Arievaldo foi, e ainda é, para mim um apoiador sempre entusiasmado nessa ideia que eu tinha de escrever o que ele, generosamente, chamava de poesia. Foi meu amigo, meu mestre, meu incentivador. Ele nos faz falta. Como noz diz o sempre atual cantor e compositor cearense Belchior: “Viveu o dia, não o Sol, a noite e não à Lua”.
Parabéns por essa(mais uma) excelente crônica!
Obrigado, poeta!