Encontrei-a em algum dia do ano de 2019. Filhotinha, abandonada e cega. Foi num restaurante, onde eu acabava de sentar para o almoço. E ouvi, distante, um miado, mais um grunhido do que um miado, ali por perto da minha mesa. Suspendi os talheres e agucei a audição, para identificar de onde vinha aquele pedido de socorro. Até que localizei a origem.
Era um filhote de gato, abandonado, que parecia mais um rato de esgoto. Botei pedaços de carne no chão. O garçom chega e diz: “ele não vai encontrar a comida, porque é cego”. Coloquei-o então em cima da mesa e botei a comida a seu alcance. Comeu. Depois, dei-lhe água. Bebeu. E o adotei.
Melhor dizendo, adotei-a. Era um filhote fêmea de gato, abandonada e cega. Trouxe-a para casa e passei a cuidar daquela pequena criatura, cega e até então abandonada.
Aderalda foi crescendo e ficando grande e bonita e meiga e adorável.
Passaram-se exatamente seis anos de convivência, de brincadeiras diárias e amigáveis e adoráveis. Dormia na minha cama, do lado dos meus pés, e comigo acordava, mais cedo ou mais tarde, conforme meus hábitos de dormir.
E, durante o dia, seguíamos, Aderalda e eu, naquela companhia pra lá de amigos e parceiros de vivência e rotina. Ao lado do meu computador, onde agora estou escrevinhando estas linhas de saudade e pranto, ela se portava, como inspiração e amiga do meu convívio.
Jamais saiu para caçar, por ser privada da visão. Jamais concretizou o sonho de pegar um calango ou a mais pequena lagartixa, uma vez que era privada de nascença do privilégio da visão. Era uma criaturinha completamente dependente da ajuda humana, que nunca lhe faltou de minha parte.
Aderalda estava bem, a princípio. De repente, começou a passar mal, na manhã desta quinta-feira santa, 17 de abril de 2025. Entrou em agonia de morte e morreu. Morreu nos meus braços, sentindo meus afagos que eu lhe dava em vida, sentindo meu inteiro afeto, de amigo e de companheiro de longos dias nesta existência, que não poupa ninguém. Nem mesmo uma gatinha cega. Senti sua partida, como se sente a despedida de um ente querido, seja ele humano ou uma gatinha querida. É a vida. É a morte. Adeus, Aderalda. Jamais me verás no céu, nem no céu dos gatos nem dos humanos, humano como sou.