Trafegando na BR-020, topei, ocasionalmente, com ele. Trajando um balandrau franciscano, barba longa e branca, pedalando sua bicicleta e, visivelmente cheio de ânimo e feliz, já leva em conta, segundo me declara, centenas e centenas de quilômetros percorridos. Na garupa da bicicleta, avista-se um oratório com a imagem de Nossa Senhora Rosa Mística, também conhecida como Maria Rosa Mystica. Apetrechos pessoais e um depósito com um volume de cartas que lhe são entregues por onde passa, também compõem a bagagem de Everaldo de Souza Brandão, 64 anos, um viajante que está percorrendo o Nordeste, conforme afirma, com a missão de ajudar na cura de doenças e levar conforto espiritual a quem precisar.
O começo da peregrinação, há bastante tempo, foi no município de Juazeiro da Bahia, sua terra. “Sou presidente da Congregação Independente Maria Rosa Mystica, e nossa missão é ajudar o próximo, sem fins lucrativos”, explica, enquanto mostra a carteira de sócio presidente, com identificação da entidade.
Desafiando as energias de um corpo franzino, Everaldo prova que já passou por diversos estados do Nordeste. De Fortaleza, marchou para Canindé, no Sertão Central cearense. “Foi emocionante visitar o Santuário de São Francisco, onde orei e agradeci ao padroeiro pelo sucesso da viagem. Levo muitos pedidos de pessoas dessa cidade. Quando chegar de volta à nossa congregação, vamos rezar por todos nossos irmãos.” Sem conduzir dinheiro, o missionário garante que nada lhe falta. “Todo mundo me ajuda, dá comida e abrigo e me recebe com muito respeito”, explica, emocionado.
Compõe também a bagagem de Everaldo, estimada em 60 quilos, um equipamento de som alimentado por bateria, que reproduz cânticos para ouvir durante a viagem. “Quando canso, nas subidas, o jeito é empurrar a bicicleta, mas isso não me incomoda. Estou consciente da minha missão.” E segue, sobre o asfalto, rumo ao Piauí.
Há, neste mundo, um contingente, talvez enorme, de pessoas que vivem em um mundo paralelo, diverso de tudo e de todos, com seu modo particular de enfrentar a própria existência. Everaldo, sem dúvida, é um desses seres impressionantes e exóticos. Desafeitos ao conforto que todos buscam, eles seguem uma vida desgarrados de tudo neste mundo. Vivem como verdadeiros extraterrestres, no meio da grande fauna humana, agarrada, dia a dia, a todas as exigências do viver, e, sempre, com o propósito de satisfazer mais aos outros, do que a si mesma. Desobrigados de outros compromissos, que não seja o de apenas existir, os andarilhos são vistos, às vezes, com piedade aos olhos de muitos; às vezes, com repugnância aos olhos de outros tantos daqueles que se dizem irmãos.
Everaldo segue, portanto, a sua senda, escolhida por ele mesmo. E, quem sabe, desenjoando-se da mera razão de existir. Percorrendo trilhas, mendigando a um e outro, ali vai ele, pedalando a sua amiga bicicleta, companheira de todas as horas e de todos os percalços, condutora do seu corpo frágil, dos seus sonhos, ilusões e desilusões, cortando asfalto e terra, até aonde ninguém sabe, até não se sabe quando, mas pleno da felicidade que só a plena liberdade e o desapego de tudo podem oferecer.