Na manhã da quarta-feira que passou, assisti a cenas autênticas de guerra. E não era na tevê ou internet. Era por aqui mesmo. Acontece que chovia forte, porém, sem estardalhaço de trovão. Ouvia-se apenas a orquestra da pancada d’água tocando no telhado, acompanhada da sonoridade alegre das biqueiras, derramando fartamente o conteúdo líquido que recebia das nuvens.
O brilho solar, timidamente transluzido pelo nevoeiro, fazia, da paisagem bucólica do campo, um cartão-postal quase feérico. Porém, de repente, aquele alvoroço! Aquele alarido! Aquele rebuliço! É então que, da minha janela, percebo, lá em cima, no galho mais alto de uma algarobeira, a razão de toda aquela bulha.
Um bando de casacas-de-couro investia, impiedosamente, contra um casal de corrupiões. Para melhor entendimento da coisa, convém dizer, antes de mais nada, que o corrupião é um tipo de pássaro que, à semelhança do mau exemplo dado por muitos da nossa laia sapiens, apossa-se cinicamente do ninho alheio. E, por mais que se levantem em seu favor os aplausos à estética do seu porte elegante e à maviosidade do seu canto atraente, o corrupião é, por fim e sem dúvida alguma, um grileiro ordinariamente descarado.
Voltando à cena, é de tirar o fôlego o que, durante minutos, foi possível acompanhar: violenta disputa territorial entre um bando de casacas-de-couro em desfavor, apenas, de um casal de corrupiões. Estes, em franca e vistosa desvantagem, diante do numeroso grupo daqueles que investiam em fúria, usando em coletivo seu armamento composto de bicos e asas, nas ações ofensivas e defensivas. A galharia da algarobeira torna-se, por sua vez, um teatro de guerra. O combate aéreo é espetacular e demorado.
De repente, para aumento do drama, um filhote de corrupião desaba do ninho, talvez tentando escapar, ou quem sabe, em momento tão dramático, ensaiar seu voo de estreia. E, se tal foi a intenção, esta ocorreu-lhe numa ocasião infeliz. As asinhas, ensopadas pela chuva, por certo, não conseguiram bater com eficiência. E o desastrado filhote precipita-se no chão.
Aflitos, os pais voam para todos os lados, intensificando o barulho, e buscando, a um só tempo, tanto um contra-ataque ao adversário bando de casacas-de-couro, quanto dar proteção à cria. É quando, em momento oportuno, também entro no palco de guerra, na tentativa pungente de proteger, pelo menos de modo temporário, o filhote de corrupião, alvo certeiro da tropa de elite dos gatos, já a postos, em terra e de olhos vidrados na vítima vulnerável.
O combate nos ares se intensifica. A chuva aumenta. O exército formado pelas casacas-de-couro investe, com manobras impressionantes e a todo custo, para reaver sua morada. E consegue, mesmo, depois de renhida, justa e vitoriosa luta, ocupar novamente o ninho, malfeito, tosco, de garranchos distorcidos, mas um rancho que, pela legislação dos pássaros, é deles. Que sirva de lição.
1 comentário
Como sempre, uma crônica despertar, digna de ser explorada por estudantes da Educação Básica.
Parabéns, poeta!